Sobre resenhas e “resenhistas”
por Ana Ferreira
Ler um livro, marcar algumas páginas com falas importantes que auxiliem na explicação e na defesa de pontos importantes, produzir um texto crítico atendo-se às regras da ortografia, à coesão e à coerência e não deixar de, ao fim, expressar a própria opinião. Creio que seja este o esperado de uma resenha mas, ao que parece, nem todos têm tais imprescindíveis cuidados.
Ter um blog não é fácil e ainda mais sendo este voltado ao público que cultua com a literatura, uma classe reclusa pela falta de incentivo educacional no Brasil. Muitos blogueiros passam horas e horas comentando nas postagens de endereços de proposta semelhante à de seu blog. Naturalmente, se tratamos de livros, é comum lermos muitas informações ainda sobre eles e, honestamente falando, há muita gente desinformada.
Presume-se que, se o seu blog for feminino, você conheça o mínimo sobre moda, esmaltes e/ou beleza; se for futebolístico, que você saiba quais foram os últimos jogos da tabela e que entenda como funciona uma partida de futebol; se for de poesia, que você saiba o que é um soneto e conheça poetas famosos para fazer referência; se for gótico, que você compreenda a ideologia e o estilo de vida; consequentemente, se o seu blog for literário, que tenha o mínimo, mas o mínimo conhecimento de Literatura, que saiba expressar-se bem e de acordo com a norma culta e que, ao fim, enfim, tenha a capacidade de produzir uma resenha comum, certo? Certo até é, mas nem todos estão respeitando ou tendo essas preocupações...
Não me refiro à maioria quando digo que falta um pouco mais de conscientização por parte dos blogueiros literários, entretanto, o número de gente que não se atém aos mais triviais requisitos ao produzir um texto crítico é desolador. Passo quase cinco horas na frente do computador lendo sobre o mundo da Literatura, escrevendo as minhas próprias postagens minuciosamente para deparar-me com uma resenha de um “resenhista” ainda mais velho que eu, aonde encontro tal trecho: “mais Ciclano não sabia se tinha que escolher entre Fulana e Banana”. Mais? Quando exatamente nós aprendemos a diferença entre “mas” e “mais”? Na 5ª série? Ah, não venham me dizer que estou sendo exigente pois não estou. Saber diferenciar os dois vocábulos, um que expressa contrariedade e outro que dá ideia de adição, é tão simples quanto ter o conhecimento de que “casa” escreve-se com “s” e não “z”.
Há três tipos de resenhas que demonstram o desrespeito do blogueiro ao redigir uma postagem direcionada ao seu público seleto. Um, a dos erros ortográficos mais absurdos e, não só apenas relativos à ortografia, mas também à coesão e à coerência, daquelas que ninguém entende o que o ser humano está falando. Dois, a resenha que é outra versão da sinopse por parte do blogueiro em questão, que apenas explica novamente os fatos ao redor dos quais gira a temática do livro, sem dar quaisquer opiniões ou desenvolver seu senso crítico, o que é irônico pois, afinal, o que leva os leitores ao seu blog é justamente a sua forma distinta de enxergar aquele mesmo livro que está sendo criticado em milhares de outros endereços. Três e não menos pior, a resenha cheia, cheia de spoilers, daqueles que fazem o leitor ter uma raiva enorme ao descobrir todo o final do livro.
Um dia desses, li um spoiler terrível em uma resenha e, em vez de escrever algo vazio como “Adorei a resenha, esse livro parece ser legal”, sabendo que não tinha sido digna de adoração, dei uma dica ao blogueiro em questão, alertando sobre a informação que tinha sido dada e, não deixando de expressar a minha chateação. Agora adivinhem só que o “resenhista” não apenas sentiu-se ofendido como me ignorou completamente por eu tê-lo avisado em vez de fazer mais alguns elogios que não cabiam à situação. Também falta sinceridade aos comentaristas, que acabam iludindo e diminuindo as chances do autor da postagem de evoluir sua crítica e ser procurado não apenas por suas promoções, porém pelo seu próprio conteúdo.
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A vergonha de errar... Faz parte! |
Sei que não é agradável sermos criticados negativamente pelo que escrevemos, todavia, é apenas dessa forma que aprenderemos a enxergar os nossos próprios erros e também a corrigi-los, superá-los. Já recebi um comentário de um leitor muito chateado pela minha desatenção ao publicar algumas informações que não condiziam com o tema em questão. Naturalmente, fiquei terrivelmente envergonhada de meu devaneio e até pensei em apagar aquele comentário para, de certa forma, tornar o meu erro menor. O comentário existe no blog até hoje, nunca apaguei-o. Fico feliz, hoje, em não ter desenvolvido tal fraqueza e por ter aceitado aquela opinião da melhor forma possível, preocupando-me mais com a verossimilhança das informações pelas quais buscava e com a própria aceitação de que surgiriam muitos leitores com pontos de vista adversos que apenas enriqueceriam o meu espaço e o meu senso crítico, possibilitando o desenvolvimento de uma argumentação mais sólida, de réplicas, tréplicas e toda uma defesa trabalhada de minha opinião.
Ser sincero ao criticar, positiva ou negativamente, um livro não é desrespeito algum, desde que você possa explicar os porquês de tais conclusões e a avaliação geral sem ser preconceituoso quanto ao gênero e/ou ofensivo. Contudo, mais uma vez tempos um impasse. Alguns blogueiros que recebem livros de editoras/autores parceiros, visando interesse próprio ou por medo mesmo, acabam sendo desonestos ao redigir uma resenha com uma série de elogios frívolos e rasos. O vergonhoso de tudo isso é que ainda acreditam na ignorância dos leitores quanto a fatos como esses nos quais os comentários positivos do autor do texto são tão genéricos. Sejamos honestos, caros blogueiros! Aproveitemos o século XXI brasileiro, é tempo de liberdade de expressão, diversidade de pensamentos e é absurdamente comum você não gostar do exemplar em questão. Não somos obrigados a amar todos os livros que recebemos das editoras parceiras pelo simples fato de recebê-los como cortesia. Uma empresa séria, ao aceitar o compartilhamento de material com o blogueiro, está sujeita às mais distintas opiniões sobre seu catálogo e, acreditem, assim como os comentários nos fazem enxergar nossos erros e acertos, as resenhas são uma luz para as editoras terem mais nitidez quanto ao conteúdo publicado.
Ao início deste texto, enquanto citava a alienação de alguns blogueiros literários quanto à própria Literatura e ao Português culto, não pude deixar de incluir nesse meio pessoas que estão surgindo na blogosfera dos livros para aproveitarem-se do material que recebemos privilegiadamente das editoras sem terem qualquer conhecimento concreto sobre o assunto, que arrebentam em divulgação e carecem, paupérrimos, em conteúdo. É radical mas seria hipocrisia não chamar isso de oportunismo. Oportunismo barato, gente que se aproveita da facilidade de “ganhar” e se traveste de intelectual com uma resenha bilhete de três linhas apenas para dar satisfação à editora. E o pior é que os leitores ainda dão ibope... Precisam comentar coisas vazias para preencher mais um formulário das quinhentas promoções das quais participam nesses endereços.
Se trata-se de ser um crítico profissional? Certamente não, muitos de nós mal concluímos o Ensino Médio, eu mesma. Se é direcionado a alguém em especial? Quem comete algumas das extravagâncias sabe, sem precisar ser alertado. Se tenho a pretensão de mudar a sua opinião? Apenas quero que a compartilhe comigo...
Ser “resenhista” não é apenas escrever algumas linhas sobre o quão lindo é o mocinho da história ou sobre o quanto você adora aquele romance. Não é dizer que aquele livro deveria virar filme ou falar que a capa é linda e ponto final. Não é divulgar o seu texto crítico a um milhão de pessoas e esperar que elas adorem e lhe venerem. É muito mais que isso... É opinar, é unir todo o conjunto da obra sob uma perspectiva específica, tentando captar detalhes que não denunciem o aguardado final, é ser sincero e honesto sem ser rude, é uma questão de respeito, acima de tudo.
Um dia desses disseram-me que as minhas resenhas são muito grandes. Achei engraçado e até considerei a ideia, mas eu realmente gosto do que faço e continuarei a escrever críticas extensas sobre os livros esperando pelas mais distintas opiniões e evoluindo juntamente delas. Se ainda tenho muito que aprender? Todos temos e precisamos da ajuda uns dos outros para crescermos e mostrarmos ao Brasil que a classe dos que cultuam com a Literatura ainda não está extinta e, para isso, a qualidade é requerida, sempre. Os bons leitores agradecem o respeito.