O ser humano há muito tempo utiliza-se do artifício da retórica nas correntes literárias para expressar sua opinião e defender pontos de vista distintos, prática a qual damos o nome de engajamento. É natural que, como blogueiros literários, por exemplo, tenhamos que tomar partidos e lados. Ao redigir a resenha de um livro, a crítica bem fundamentada é, muitas vezes, o principal atrativo para os leitores de seu blog, que esperam de você uma posição diferente da de outros, composição essencial da característica do resenhista.
Desde pequenos, à simples elaboração de um conjunto de regras para um jogo de bola, ao ato de governar, organizar, dirigir e administrar, estamos fazendo política. Uma política que cresce conosco e que pode vir a ser falha muitas vezes, mas da qual, ainda assim, nascem governantes a níveis públicos e nacionais que pecam ao não saber lidar com o poder que lhes é dado. Já dizia Abraham Lincoln que "[...] se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder."
Do poder falho e mal administrado surgem, então, grandes autores da literatura brasileira dispostos a delatar as mazelas da sociedade através de poemas e de uma ironia ácida típica dos engajados. Autores como Castro Alves, Aluísio de Azevedo, Machado de Assis e os modernistas Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, além de Chico Buarque e Caetano Veloso no âmbito musical.
O engajamento nas escolas literárias...
1. Romantismo, com Castro Alves
Castro Alves foi o principal autor da terceira geração romântica, tido como o poeta dos escravos. Neto de avós negros, denunciava através de sua poesia altamente metafórica os sofrimentos pavorosos pelos quais os africanos contrabandeados eram obrigados a passar em situações de extrema miséria, sujeira e doença. Ficou famoso pela obra O Navio Negreiro.
"Era um sonho dantesco... o tombadilho2. Naturalismo, com Aluísio de Azevedo
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar..." - Fragmento de O Navio Negreiro, de Castro Alves
Na obra de Aluísio de Azevedo, o engajamento não é a principal característica, pois toda a degradante situação social brasileira é narrada como algo comum, consequência dos fatos. Como segue a mentalidade da própria escola literária, o homem é fruto do meio, da raça e do momento. Em seu título mais famoso, O Cortiço, vemos a animalização da vida de uma classe pobre num período conturbado politicamente em todo o Brasil.
"João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro. Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A comida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade." - Fragmento de O Cortiço, de Aluísio de Azevedo3. Realismo, com Machado de Assis
Machado de Assis utilizou-se especialmente da ironia para retratar os problemas pelos quais a sociedade carioca passava, especialmente o mundo de aparências no qual vivia a elite. Entre casamentos por conveniência e fortunas obtidas facilmente por suas personagens, desenvolveu um estilo único e engajado que lhe deu renome internacional como grande autor realista.
“Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de “menino diabo”; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia – algumas vezes gemendo –, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um “ai, nhonhô!” – ao que eu retorquia: – “Cala a boca, besta!” - Fragmento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis4. Modernismo, com Chico Buarque
Nesta fase da cultura brasileira, Chico Buarque foi marcado como um compositor com suas músicas de fortíssimo cunho crítico na qual delatava as falhas do regime ditatorial e impunha o desejo de liberdade aos jovens que o escutavam. Em nome de sua popularidade, chegou até a ser exilado, assim como Caetano Veloso e Maria Bethânia.
"Amou daquela vez como se fosse a últimaAinda mais forte que a Literatura, agindo de maneira aberta, sem metáforas ou ironias, a Imprensa brasileira, como formadora de opinião, tem o poder de convencer seu público a aceitar ou recusar terminantemente determinado governo e/ou candidato. Na época da Ditadura, por exemplo, muitos foram os jornalistas que perderam seus empregos e acabaram presos por crimes políticos em nome de sua coragem ao denunciar uma situação agravante que se espalhava por cada extensão do poder no Brasil.
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego." - Fragmento da canção Construção, de Chico Buarque
No momento, leio Notícias do Planalto, um título de Mario Sergio Conti que conta a história jornalística brasileira com cada um dos veículos de comunicação mais influentes na população desde a candidatura do presidente Fernando Collor até o famigerado impeachment. Mais que sua trajetória, entretanto, é possibilitado ao leitor um vasto conhecimento das origens dos padrões modernos do jornalismo brasileiro.
Você sabia, por exemplo, que a famosa frase atribuída a Joãosinho Trinta, "O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual", veio, na verdade, da mente de Elio Gaspari, um jornalista de raciocínio rápido que, para avivar suas matérias, convocava repórteres atrás de pessoas famosas para assumir a autoria de seus pensamentos; bastava apenas serem condizentes com a personalidade do entrevistado em questão. A revista Veja, em sua seção de citações de personalidades da mídia, utilizou-se da mesma técnica por anos a fio.
Para produzir uma Literatura engajada, espera-se do autor conhecimento a respeito do que se critica e discute, com fontes seguras e pesquisas detalhadas para garantir a verossimilhança do resultado final. Acima de tudo, entretanto, pede-se coragem para mostrar ao povo o mundo como ele é, ainda que através de recursos como a metáfora e a ironia, privando-o de uma base de aparências; cada leitor livre para fazer seu próprio juízo da sociedade humana.
E você, considera-se literariamente engajado ou prefere a imparcialidade de outros gêneros?
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