14 abril 2012

O Penúltimo Sonho, de Ángela Becerra

- Joan...? - perguntou Soledad com sua entonação mais doce. Ainda conservava aquela cadência inconfundível de menina colombiana. Ele a olhou com olhos mudos, percorrendo em um instante a distância de séculos que o separavam daquela voz de anjo, saltando por cima dos anos, dos verões mortos, das sombras do esquecimento... - Soledad...?"
Título: O Penúltimo Sonho
Título original: El Penúltimo Sueño
Autora: Ángela Becerra
Tradução de: Eliana Aguiar
Editora: Suma de Letras
Número de páginas: 406
ISBN: 978-85-60280-01-8
Gênero: Romance; Literatura colombiana

Até então, nunca tinha lido nenhuma obra de um autor colombiano, apesar de ter uma curiosidade específica em torno daquilo que o país latino produz no ramo literário. Decidi por me iniciar, enfim, com o lirismo melancólico de Ángela Becerra e posso dizer que foi uma experiência gratificante, uma leitura que toca os sentimentos mais íntimos de cada leitor e tem como protagonista o selo dos casais apaixonados, o amor.

Soledad Urdaneta, jovem de 14 anos da elite colombiana e Joan Dolgut, um espanhol pobre refugiado na França em nome da guerra civil em Barcelona, encontram-se pela primeira vez em 1939, na sofisticada riviera francesa, em Cannes, num hotel de luxo aonde o rapaz trabalha como garçom e no qual a moça passa suas férias douradas de verão. Apesar de todas as convenções sociais contra qualquer relacionamento entre ambos, acabam apaixonando-se perdidamente, vivendo momentos mágicos de um amor desesperado e viçoso em meio à música que ecoa das mãos do Joan pianista, capaz de falar intimamente ao coração de Soledad. Jovens como são, planejam toda uma vida de sonhos que, muito infelizmente, pela ação do acaso, não tarda a vir ao chão e esfarelar seus últimos resquícios de felicidade, condenando-os ambos a vidas tristes e de um amor reprimido que os une, de alguma forma, até a morte.

A narrativa começa, entretanto, num trágico acontecimento do futuro, quando os dois se reencontram e passam a envolver em sua história suas respectivas famílias, que passarão a buscar incessantemente por respostas do que teria acontecido naquele ano de 1939 em Cannes.

Apesar de este meu breve resumo ter várias lacunas que lhe deixam, como leitor, um tanto confuso, seria uma lástima e até um grave spoiler fazer qualquer menção a outros acontecimentos que desenrolar-se-ão ao longo da trama envolvente de Ángela Becerra. Falando especialmente da narrativa, num primeiro momento, fiquei encantada com a escrita da autora colombiana que, muito habilmente, transporta seu leitor para a Espanha, para Barcelona num retrato belíssimo que remete ao texto de Carlos Ruiz Zafón. O leitor do autor reconhecerá, por exemplo, muitos dos cenários descritos também por Becerra, como o cemitério de Montjuïc (importantíssimo em Marina) e as tantas ruas e vielas num melhor estilo gótico, característico da cidade espanhola.

O Penúltimo Sonho tem uma relação intrínseca com a música, tendo em vista o fato de Joan ter sido um pianista em potencial, que refugiou nas teclas do instrumento todo o seu amor mal-fadado por Soledad. Mais do que isso, a obra tem uma cadência deslumbrante, uma musicalidade quase poética com o emprego de palavras que combinam entre si e só reforçam os sentimentos de cada personagem, trazendo um ar todo melancólico aparentemente característico de Ángela Becerra, como se pode notar na sinopse de O que falta ao tempo, outro título da autora publicado pela Suma de Letras no Brasil.
"Nós que tocamos piano temos uma relação muito íntima com ele... Uma conversa que vai da alma até as entranhas de suas cordas invisíveis. Para o pianista, o piano é um amigo que está sempre lá; pode-se acariciá-lo a qualquer hora e, em troca, ele devolve o que tem, sua alma, sua música."
De minha parte, a leitura deste romance foi extremamente voraz, como se eu devorasse cada página para descobrir até onde essa emocionante história haveria de se alongar. Para outros leitores, entretanto, talvez o ritmo naturalmente triste e nostálgico lese um pouco ou processo ou até incomode o azar na vida amorosa de Joan e Soledad, que me levou às lágrimas facilmente em dado momento, o que não fez com que eu desgostasse do livro, de qualquer forma.

Um último recado que deixo aos interessados é de que trata-se aqui de uma obra romântica em seus mais agudos tons, que Ángela Becerra fala de paixões inocentes e também carnais sem se utilizar de vulgaridades, mas mostrando a todo o tempo o quão belo é o sentimento que une cada um dos casais, diferentes representações do principal, concretizado em Cannes e na juventude. O amor em O Penúltimo Sonho, como pode se ler na orelha do livro, faz parte de uma corrente que vem sido conhecida como idealismo mágico pela crítica, empregadora de elementos de fantasia para representar os sentimentos, divididos por um oceano de distância e uma vida de infortúnios. É um amor sem limites também à vida ou aos empecilhos que esta emprega para matá-lo, capaz de transpor gerações e medos, mostrando que certos laços jamais se perdem.
"Diga-me que sim. Que ainda acredita que viveremos juntos até mais além do penúltimo sonho."
Avaliação Geral: 
Nota 4 de 5 (Muito Bom)

Um bom sábado a todos!


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