06 fevereiro 2011

Encontro-a na próxima parada

    Olá blogueiros!
    Minhas sinceras desculpas pela postagem de ontem sobre Moda... Por motivos de força maior, vou ficar devendo a vocês. Hoje trago aqui o conto que me possibilitou vencer o Projeto do Leitor do blog da Gabriele, sobre o qual eu já tinha falado na postagem anterior. Espero que gostem!
   Um bom domingo!


Encontro-a na próxima parada

   Parei por um instante e encarei a estrada deserta que se estendia atrás de mim entre florestas de eucaliptos. Adeus, Batatais! Adeus, moleque de interior! Adeus, pai drogado e mãe suicida!

   Estava esperando o ônibus da madrugada para São Paulo. A próxima parada chamava-se vida nova e estava ansioso por sua chegada.
    Aconteceu há quatro anos atrás, antes de eu descobrir o quão difícil era a vida na metrópole. Tinha apenas 16 anos quando saí de casa para desbravar o tão convidativo desafio. Utopia de jovem. Agora acho graça em lembrar-me do quanto sofri até adequar-me aos modos dos paulistanos.
    Era uma manhã nublada de março. O outono estava chegando, embora o verão não aparentasse interesse de ir embora, tamanho era o calor. Eu não tinha carro, precisava pegar o metrô cedo e estava especialmente atrasado naquele dia. Bravo, irritado... Qualquer um que cruzasse meu caminho estaria fazendo-o em um mau dia.
- Mas que inferno! - Gritei para aquele ser que fizera com que meus currículos caíssem. Estava em busca de um emprego.
- Ora, seu sem educação! Eu estou atrasada para a faculdade e estas coisas acontecem na estação. Não foi minha culpa.
   Na verdade, eu já nem me importava mais. Estava sorrindo, totalmente agraciado pela beleza da jovem, que não tinha muito mais de 18 anos, provavelmente. Ela estava confusa com minha mudança repentina de estado, desconfortável, eu via em seus puros olhos amendoados.
- Faz faculdade de quê?
- Moda. - Ela relaxou a face, aliviada. - E você, o que faz da vida?
   Não era sequer necessário perguntar o que ela cursava. A moça exalava moda. Tudo nela era inspiração, modernidade, criatividade. Os cabelos excessivamente louros, quase brancos com uma franja repicada, meio desalinhada; a blusa preta e o short totalmente estilizado, os sapatos atípicos... Ela era alguma espécie de revolucionária, com causas próprias, todavia dona de uma meiguice única de menina.
- O que você faz? - Ela repetiu.
- Como se chama?
- Eu sou Marieta. E você é muito injusto! Não responde às minhas perguntas!
- Marieta. Lindo. - E eis que surge-me a ideia irresponsável, libertadora, deliciosa. - Eu escrevo, mas não dá para me sustentar. Estou em busca de um emprego. Estava, até agora. E quer saber de uma coisa?
- Do quê?
- A sua aula de hoje é imperdível? Você fará algo de muito importante?
- Não, mas...
- Gosta de arte?
- Sim, mas...
- Então venha comigo. A propósito, meu nome é Eduardo.
   Marieta me encarou um pouco sem jeito e, por um momento, eu me dei conta da minha loucura, achei que ela não viria. Mas de alguma forma que eu nunca saberei, aquela mesma loucura, aquele mesmo sentimento de liberdade a havia tocado. Também aquela estranha vontade gostosa, aquele estranho e imperdível convite de conhecer o desconhecido
   Pegamos o metrô rumo à Estação da Luz, lá perto aconteceria uma exposição de Tarsila do Amaral. Marieta estava excitada, como se nunca tivesse feito algo de errado. E eu também, embora estivesse com a estranha sensação de estar fazendo algo completamente certo.
   Ela me falava de moda. Palavras desconexas, tendências, Marc Jacobs, Twiggy, cardigãs, sapatilhas, semana da moda de Milão. E eu lhe falava de arte. Portinari, pintura em tela, proporções, correntes artísticas e de Tarsila, minha artista predileta.
   Nenhum de nós estava muito atento ao papo do outro, mas quando eu lhe falei de Tarsila ela parou e sorriu.
- Você fala com tanta paixão das obras dela. Como se fossem velhos amigos. E eu adoro o nome quando o ouço em sua voz. Fala de novo? Tarsila?
   Eu a encarei com o olhar manso, deliciado por ela. Fitei-a de perto, olhos nos olhos, e procurei por uma confirmação. Segundos, ou foram minutos, depois eu a estava beijando com uma urgência apaixonada, com imensa vontade dela. Do cheiro dela, da pele dela, do corpo dela.
- Tarsila. - Sussurrei em seu ouvido, fazendo-a trazer-me mais para perto de si, em um corredor qualquer da exposição. Impossível resistir à sua doçura, ao seu vigor, à sua juventude viçosa.
   Encostei-a na parede delicadamente e senti seu coração descompassado bater em meu próprio peito. "A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro." Dois meses depois estávamos namorando firme. E eu tinha certeza de que a amava de alguma forma.
   Nós conversávamos muito. Ela me contava sobre sua vida, eu lhe contava a minha. Não gostava de mencionar meus pais, porém. E ela já tinha notado.
- Por quê? Por que você não fala neles? Por que tanta insegurança?
- Eu tenho medo de acabar como um deles. Fraco. - Um drogado e uma suicida.
   Minha mãe se matara após o meu nascimento. Ela também era viciada antes de morrer. E meu pai... Após a morte dela passaria a existir simplesmente, perambulando entre becos e vielas à procura de cocaína. Temia estar com a fraqueza em meu sangue. Mais que qualquer outra coisa.
- Você é diferente deles, eu tenho certeza.
   Um mês depois descobri que seria pai. E as coisas começaram a mudar.
- Terá que arrumar um trabalho mais rentável, Edu. E eu nem sequer sei como continuarei com a faculdade. Mas que merda! - Ela sorriu. - Tantos problemas e, ainda assim, estou tão contente.
   Apenas beijei seu ventre e saí de meu apartamento em busca de um novo emprego. Como amava aquela mulher e aquela criança que crescia dentro dela, a nossa criança. Naquela tarde, entretanto, um pressentimento funesto assaltou-me e então soube que as coisas mudariam.
   Não conseguia arrumar outro emprego, Marieta andava irritada e seus pais estavam pouquíssimo contentes conosco. Eu comecei a beber, aos poucos e, repentinamente, a tão temida fraqueza me invadiu. Avassaladora. Chegava no apartamento alugado, onde ela agora também vivia, com o rosto vermelho, fora de mim. Irritado e ébrio.
   Eu e Marieta brigávamos muito, ela sofria. Estava tendo uma gravidez complicada. Até o dia em que a agredi e senti a dor que repousava em seus calmos olhos me transpassar como um fantasma. Como eu pude fazê-la sofrer tanto? As mágoas em seus olhar jamais me abandonariam.
  No dia seguinte, enquanto eu fingia dormir, morto de enxaqueca pela bebida, eu a contemplei a fazer suas malas silenciosamente e ir embora para sempre. Antes de partir, entretanto, ela fitou-me tristonha, com uma lágrima escorrendo pelo rosto jovem, mas com um fio de amor intacto ali. Por aquele amor, pelo meu, pelo nosso amor, eu a deixei partir.
   Nunca mais bebi e não procurei por Marieta, embora a amasse. Ela merecia alguém melhor e o nosso filho também. Filha, eu esperava, pois desde o nosso primeiro dia na exposição, eu quis que ela levasse Tarsila como um pedaço de mim. Por toda a sua vida, em todas as paradas.

8 comentários:

Adriana T disse...

Lindooo!! Vc devia escrever um livro menina!!!
Beijos
(Garota Eclética)

Italo Hess disse...

é isso aí seu blog está muito informativo para as meninas continue assim seu blog feminino será um sucesso

•Luís disse...

Oi, adorei o seu blog, PARABÉNS, estou te seguindo, segue o meu também aqui:
http://portal-luis.blogspot.com/
sou o Luis que te seguiu é que aqui o nome tá Luis/Larissa (minha parceira) :)

Anônimo disse...

Faculdade de moda... credo! Jesus é mais

Evellyn disse...

Nossa! Vc escreve mt bem! Eu sempre quis fazer Moda... rs... Mas mudei!
rs
Ahh vi que querem ler Vampiro Apaixonado e tá rolando uma promo lá no meu blog! Participem!
bjss
Evellyn - heyevellyn.blogspot.com

Ana Ferreira disse...

Acho incrível o preconceito que as pessoas têm contra quem faz moda, como se isso pudesse diminuir a capacidade intelectual de alguém.
E ainda fala de Jesus, que tem nada a ver. Engraçado que são essas as pessoas que alegam que o mundo é dos iguais, é para todos. Não há diferenças.
Pois há diferenças sim, e abrir a mente a elas é imprescindível.
Lamento que não tenha gostado e não te tiro o direito de gostar, apenas o de julgar alguém por sua escolha.

http://comentariosobrelivros.blogspot.com/ disse...

Concordo acho que deveria escrever um livro mesmo. obrigado pela visita.

http://comentariosobrelivros.blogspot.com/

Bruna Tenório disse...

Uau, você escreve muito bem! Ótimo texto!

Aliás, moda é profissão como qualquer outra.