27 novembro 2011

Destaque do mês #5 - Curtindo, seguindo, compartilhando e retuitando Literatura

 
Curtindo, seguindo, compartilhando e retuitando Literatura
por Ana Ferreira

A gama de redes sociais disponibilizada aos internautas atualmente é extremamente extensa e abrangente. Criadas para agradar os mais diversos públicos, compartilhar e apresentar um pouco mais dos interesses alheios, é notável em todas elas uma popularização um tanto incômoda da Literatura através de trechos curtos extraídos das obras originais de autores que vêm se tornando os queridinhos da “galera”.

Fique claro, primeiramente, que não é um tipo de egoísmo literário temer por essa popularização da arte escrita. É, na verdade, uma queixa ao culto da Literatura em massa que se propaga através de palavras fáceis e rasas sobre amor e outros sentimentos universais.

Tudo começou muito antes, contudo, um bom estopim para justificar este destaque do mês poderia ser a imagem ao lado, encontrada em um compartilhamento no Facebook. Reproduzindo o texto, o autor da imagem utiliza-se da retórica de Clarice Lispector para as seguintes palavras: “Meu saco já está explodindo de ver tanta porcaria que vocês postam em meu nome nesta merda”. Direto, simples e rápido. Na legenda, ainda, o mesmo escreve: “Pras pseudo-literatas de FB/Google. Só vale compartilhar se leu AO MENOS UM livro inteiro dela... #rindomuito”.

Hão de concordar com o criador de tal imagem todos aqueles que observarem um pouco a popularidade estrondosa que Clarice Lispector, com suas múltiplas personalidades literárias, tem alcançado nas redes sociais. São perfis no Twitter, retweets numerosos, adições e adições da autora à pagina de “pessoas que me inspiram”, compartilhamentos com fotos bonitas e promessas ou lamúrias a respeito de um amor perdido. Quem nunca se deparou com essa frase: “Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania”, por acaso, em algum perfil ou descrição pessoal? Para se ter uma noção da popularidade da mesma, se procuramos por “frases de Clarice Lispector” na ferramente de pesquisa do Google, temos nada mais, nada menos que 1 milhão e 310 mil resultados. Enquanto que, se procurarmos por “Paixão Segundo G.H.”, um dos livros mais famosos de Clarice, o número é bem menos exorbitante, 175 mil resultados.

Com Caio Fernando Abreu, por exemplo, é a mesma coisa. Não há um dia sequer em minha rotina de redes sociais no qual eu não me depare com alguma frase do autor. Aquele estilo típico, descompromissado de falar, uma linguagem por vezes chula, mas agradável e bem fácil de compreender cativa os leitores de trechos e frases que não se aventurariam, jamais, a “enfrentar” um livro inteiro de qualquer um desses autores. Além deles, Tati Bernardi, por exemplo, vai conquistando seu espaço com textos mais modernos e fragmentos. Entre os clássicos dos clássicos, impossível não vermos o quanto o povo adora mandar recados românticos com poemas de Shakespeare, mas abomina ler sequer o primeiro ato de “Romeu e Julieta”, o dito amor dos amores, à primeira dificuldade encontrada em uma palavra antiquada e caída em desuso, ou à mera citação de uma figura da mitologia grega; o quanto aprecia e suspira com aquele soneto lindo de Camões em que “Amor é fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói e não se sente/ É um contentamento descontente[...]”, enquanto tem verdadeira repugnância só de passar os olhos por um exemplar ligeiramente mais antigo de “Os Lusíadas”, o medo dos mares nunca dantes navegados...

Estaria certo o autor da imagem com a frase que poderia ter sido proclamada por Clarice Lispector, em dizer que para amar tanto um autor, a ponto de despertar com suas frases e seus sonetos, o leitor deveria ter tido contato com ao menos um livro inteiro da mesmo? Estaria sim, indubitavelmente. Para apreciar um pintor, Salvador Dalí, por exemplo, a pessoa em questão deve conhecer o mínimo de sua obra, ter, pelo menos uma vez na vida, passado os olhos por suas pinturas e reconhecer o surrealismo nelas. Com a Literatura é o mesmo pois, afinal, como julgar um autor sem conhecer a sua obra, o que o torna autor? Se me dizem que têm Meg Cabot como autora predileta, não concordarei, mas aceitarei sinceramente por saber que já leram algo dela, e não apenas um trecho engraçado em que Sam se pergunta para onde deve ir com seu namorado...

Até porque, os trechos são muitas vezes ilusórios, cheios de contextos adequados para existirem. Muitas vezes aquela frase por nós adorada não tem a mesma semântica no livro da qual foi extraída. Pode-se, facilmente, tirar um “Eu te amo” de um texto com um final diferente: “Eu te amo – mentiu.”, e o amor passará a ser sintético, puramente falso. São palavras proferidas por personagens em algum momento da história e que talvez nada tenham a condizer com a retórica do escritor em questão, justamente o que tornaria o mesmo seu favorito. Bentinho poderia achar que Capitu tinha olhos de ressaca em este famoso fragmento: “Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.”, mas não necessariamente Machado de Assis os viu em uma paixão de infância ou nos olhos de sua mulher.

Para ter um autor como favorito, é preciso conhecê-lo. Aquele conhecimento que adquirimos através da leitura e da reprodução de suas palavras, aquele conhecimento que só se tem nos livros, integralmente. Muitas vezes aquele trecho de um compartilhamento no Facebook ou de um retweet de um amigo pode dizer tudo que sentimos no momento, o que nos leva a atribuir favoritismo àquele autor, contudo este não deixa de ser um pensamento muito vago, tendo em vista a vastidão e a ambiguidade das palavras.

Talvez haja, realmente, em meio a esses tantos ditos fãs, aqueles que apreciem a obra de Clarice Lispector, que tenham enfrentado as complicações dessa mulher múltipla em “A Hora da Estrela” e aventurado-se em “A Descoberta do Mundo”, aqueles que ainda saibam que “Clarice”, não se escreve com -SS, e sim com -C. Talvez haja o leitor convicto de Caio Fernando Abreu, conhecedor sincero de sua essência literária e de seus amores descomplicados. Talvez haja aquele que realmente ame “O Pequeno Príncipe”, que tenha sido genuinamente cativado pelas rosas das palavras de Antoine de Saint-Exupéry. Talvez ainda encontremos apaixonados shakesperianos, que se permitam ir além de um texto de e-mail famoso, “O Menestrel”, lindo, acerca do qual ainda resta a dúvida sobre a autoria ser, de fato, de William Shakespeare. Talvez encontremos por estes mares confusos, um que celebre o coração lusitano de Camões em seus 8816 versos decassílabos...

Estou compartilhando meu amor literário, retuitando essa torrente de palavras na esperança de que as compreendam como tão facilmente fizeram com sua Clarice. E que as redes sociais salvem a boa Literatura!

12 comentários:

Just Books disse...

Adorei o texto, você disse basicamente tudo o que penso. Realmente tem muita gente por aí que dizem ter esse e aquele autor preferido, sem nunca ao menos ter lido nenhuma de suas obras.

Confesso que nunca li nada da Clarice, mas adoro as frases que dela que leio por aí (:

Bj;*
Naty.

Unknown disse...

Gostei muito do texto ;D
Não tenho um autor preferido, mais sempre que vejo algumas frases da Clarice, gostou muito ^^

Beijos :*
Natalia.
http://musicaselivros.blogspot.com/

Aione Simões disse...

Oi Ana!
Seu texto, mais uma vez, muito bem escrito e argumentado!
Concordo com você quando é dito sobre amar ou eleger um autor como favorito sem ao menos conhecê-lo!
Mas acredito também que muitas dessas frases ditas e compartilhadas expressam, o que você ressaltou, um momento de identificação, e nada mais. Obviamente, em um contexto completo, o significado de uma frase pode ser alterado por completo, mas as vezes, isoladamente, ela fornece exatamente aquilo que quem a está compartilhando procurava e acredito que isso seja o bastante.
Mesmo que frases aleatórias sejam difundidas, não vejo um problema nisso (não que você tenha colocado como sendo um problema), é uma maneira de chamar a atenção das pessoas para esses autores, além de confortar o coração de quem a lê, por alguns instantes que seja.
De qualquer forma, estou de acordo com você, é uma pena que difundam um amor por causa de uma massificação, que não é embasado em nenhum conhecimento prévio sobre um autor ou suas obras!
Beijos!
P.S: Não poderia deixar de comentar, já li "Paixão Segundo G.H" e adorei!

Unknown disse...

Oi Ana! Mais uma vez um texto de sua autoria muito bem fundamentado!
Eu particularmente e curiosamente só gosto de colocar frases de obras e autores do quais conheço e já li! Aprecio muito a escrita da Clarice Lispector porém até agora só li um livro de sua autoria mas mesmo apenas um, gostei imensamente, que foi o "Felicidade Clandestina".
É cheio de passagens maravilhosas o que só me leva a imaginar a quantidade de preciosidades e frases sagazes que essa mulher deve ter escrito ao longo da sua curta vida. O fato dela ter vivido em Recife quando pequena (minha cidade), é outra coisa que me agrada bastante ^^ Mas enfim, já estou desviando do assunto do post rs

Acho que para dizer que gostamos de algo e que somos fãs de sua escrita, devemos conhecer mais à fundo, ou ao menos ter lido "uma" obra e mesmo assim com alguns "poréns"... porque fã que se preze procura descobrir e conhecer o máximo possível do seu ser adorado. rs Porém não condeno as pessoas que reproduzem algum tipo de frase nas redes sociais e etc, porque acho natural, nos deparamos na internet com uma frase/trecho inspirador e bonito, e querermos então reproduzi-los para aquelas pessoas que somos mais chegados, mostrar o que nos agradou!

O problema é quando torna-se abusivo, vide essa página no Facebook onde a pessoa não sabe sequer escrever o nome da autora, o que nos leva a pergunta do porquê está criando uma página da mesma!
Uma coisa é a reprodução de uma frase, outra coisa é dizermos que somos fãs ou curtimos alguém que nem ao menos conhecemos nada do que a pessoa escreve, apenas umas frases e palavras soltas aqui e ali!!

Gostei muito da reflexão, mais uma vez!! ^^

Beijos, querida!

Karol (Blog Miss Carbono) disse...

Adorei o texto!

Comentei isso no meu Face esses dias: não aguento mais esse povo postando frases de autores/personagens/cantores, sendo que a maioria delas nem pertence aos mesmos ¬¬'

Gosto de várias frases da Clarice mas não me considero fã da autora - só li um livro dela e, pra dizer a verdade, nem gostei.

teh mais

Raquel Pereira disse...

Realmente concordo com o que o texto diz.
É necessário se conhecer bem antes de amar alguma coisa. Não é por uma mera frase que é possivel classificar um autor.
Uma frase pode sim encantar, o que é diferente de tornar aquele o autor preferido.

Bjok

Entre Fatos & Livros disse...

Oi Meninas! Estou devendo uma visitinha a vcs há mto tempo! Mil perdões!

Ana, vc escreve mto bem e notamos q vc é bem madura, com ideias interessantes e fundamentadas. Parabéns! Já escolheu a profissão?

Eu nunca li um livro inteiro de CL, mas já li alguns contos. Não a considero minha escritora favorita, mas me sinto à vontade de postar duas frases, de dois contos q eu li e q combinam mto comigo. Detalhe: Eu li esses contos, por ter tido acesso aos quotes antes, e me encantado.

Não acho nada demais compartilhar esses quotes, pq estamos na era da tecnologia. Acontecer isso é inevitável. Só acho que usar a imagem, frase de outras pessoas para se promover em meios sociais, é tosco. Pessoas que nem conhecem a autora/obra e utilizam esses meios para posar de intelectual são patéticas. Fim.

Belo texto.

BjoO
Pri
Entre Fatos e Livros

Luana Feres disse...

Teu texto, mais uma vez, tá imensamente bem construido. Gosto muito da maneira como você escreve, de como você expõe seu ponto de vista e tudo o mais, mas não concordo inteiramente contigo, dessa vez, Ana. Concordo com a parte de atribuir frases aleatorias à autores incriveis, coisas do tipo: To die by your side. Such a heavenly way to die.(Caio Fernando Abreu). Parece absurdo, mas tem coisas assim. Daqui a pouco tão colocando "Pau que nasce torto, nunca se endireita - Clarice Lispector.

Claro que o que você disse, é verdade, existem centenas de pessoas que nunca leram um livro sequer (não precisa nem ser do autor, não leram foi nada) e se acham filosofos de rede sociais. No facebook todo mundo quer ser Freud. Só que eu não curto muito essa indignação, também. O cara solta tanta babaquice ali que colar um trecho de um autor que ele não conhece é o menor dos males.

Ultimamente vem gente compartilhando fotos de casais homossexuais com os dizeres "Deus nunca vai aceitar isso". É tanta imbecilidade junta que colocar uma frase bonita é até um alivio. Ao menos a pessoa tá compartilhando coisas boas, propagando a literatura e coisa e tal.

Sou contra atribuir frases aleatorias à autores renomados, mas não a compartilhar frases sem conhecer o autor. Nem sempre quando você faz isso, está se intitulando o fã numero um. Pode, simplesmente, ter gostado, se identificado com a frase.

E quando ao seu comentário, as primeiras três fotos são minhas, a ultima não. :/ Não consegui tirar uma bonitinha e que se encaixasse ao banner, mas tô trabalhando nisso. E quando ao post de Nicholas Sparks, é bom saber que existem pessoas que concordam comigo. Quem sabe eu não te peço umas dicas de argumentos para esse top 5 do Sparks, haha.

Beijos!

Teorias de Gi disse...

Oiiiiiiiiii, eu tambem concordo em partes, acho errado postar uma frase sem ao menos saber quem a escreveu...mas por outro lado eu mesma nunca li um livro da Clarice mas essas frases q sempre leio me fazem pensar se não seria bom ler um livro dela ampliar minha lista de autores...e isso é bom!

Unknown disse...

OI Ana!
Concordo com o destaque desse mês, o que eu mais vej nas redes principalmente no Tumblr é frases e mais frases dos autores muitas vezes seguidas por comentarios do tipo "Caio F. de Abreu sempre parece saber o que sinto!" ou algum outro comentário do genero. Isso me faz perguntar se pelo menos um décimo desss pessoas já procurou saber quem foram esses autores, de onde vieram suas palavras e se procuraram saber de mais palavras. A verdade é que as pessoas tentam ser sábias e profundas, sem conhecer que já foi sábio e profundo antes delas.

Paola Aleksandra disse...

Oi Ana, novamente, menina tu escreve muito bem, direta e ao mesmo tempo bem humorada, fico fascinada com a forma que você aborda as informações. Primeiro, ri muito com as imagens, sério, dois “SS”, akaoakoak, aiaiai, como diz minha mãe esse mundo está perdido.
Bem, confesso que só li um livro da Clarice Lispector, não me orgulho disso, realmente gostaria de ler mais livros dela, mas sempre deixo para outra oportunidade. O fato é que, por esse motivo, sei que não conheço a autora, leio trechos de suas obras, mas não compreendo o todo, e para mim, é isso que falta em alguns leitores, compreender a importância do todo. Nesse fim de semana, fui a uma reunião da Igreja e o padre disse algo que me marcou, a gente tem a mania de abrir o Google, pesquisar sobre algo, ler algumas palavras sobre o assunto e já achar que pode explicar aos outros sobre o que leu... Realmente nos concentramos nos trechos, esquecemos da importância do resto das obras. Que nem em Romeu & Julieta, podemos tirar trechos de amor nato, mas quem não leu a história até o fim, não é capaz de concluir se o que eles sentiam um pelo outro era uma amor verdadeiro ou, juvenil, tudo pelo comportamento de Romeu ao final da obra. Bem, não sei, eu já me baseei em trechos para tirar conclusão de algo, mas aprendi a dar valor no todo. Acho que isso vem com o amadurecimento, sei lá, rs.

Beijos

Pah, Livros & Fuxicos

Gisele disse...

Nossa..muito legal esse assunto e a sua visão sobre ele...concordei com várias coisas!!
Confesso que nunca li nenhum livro da Clarice e fiquei com uma baita vontade agora!!

bjus