22 fevereiro 2012

A geração alienada e varonil lhes escreve literatura



Escrevo este artigo em resposta ao texto da ilustríssima senhora de 64 anos, Caldeira Brant, publicado a 6 de janeiro deste ano no Portal Literal, um dos blogs do Terra, do qual os leitores poderão desfrutar neste link: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/nao-sou-de-outra-geracao-nem-senil-sou-realista-1

É bem sabido que numa geração que cultua com a Internet, democracia e liberdade de expressão são palavras de lei, ideologias segmentadas, abrangentes aos mais diversos fatores da humanidade, especialmente às artes, tão importantes no desenvolvimento da cultura mundial e na forma pessoal de pensar de cada indivíduo.

Acredito que pelo menos a maioria de nós, ao criar um blog literário, pensa em disseminar o gosto e o conhecimento em seus mais distintos graus sobre livros e literatura. Muitos são adultos e já até trabalham na área ou estudam algo relativo, como os vários professores de Língua Portuguesa ou calouros de cursos de Letras. Outros, também, são jovens e mal completaram o Ensino Médio ou, por que não, o Fundamental. Somos diferentes, entretanto. Desenvolvemos maiores aptidões para certos gêneros de escrita ou de leitura e acabamos complementando o conteúdo uns dos outros em prol de uma mesma paixão: a literatura, seja ela uma forma de prazer, um trabalho, um estudo ou uma revolução ideológica.

Segundo o dicionário Michaelis, o vocábulo literatura gera até cinco significados. É, entre outras coisas, a arte de compor escritos, em prosa ou em verso, de acordo com princípios teóricos ou práticos. 2 O exercício dessa arte ou da eloquência e poesia. 3 O conjunto das obras literárias de um agregado social, ou em dada linguagem, ou referidas a determinado assunto: Literatura infantil, literatura científica, literatura de propaganda ou publicitária. Mas, aparentemente, para a nossa sábia articulista, a arte das letras restringe-se aos clássicos de palavras arcaicas e ideais que revolucionavam toda uma geração, indo contra grandes organizações e entrando para a História. Também para ela, os blogs literários, todos, pois Caldeira Brant faz questão de generalizar, são montes de besteira, divulgação e propagação de uma escrita frívola e medíocre produzida por uma geração completamente alienada.

E eu lhe pergunto, meu caríssimo leitor, se em algum momento este ou qualquer outro blog literário fez algum mal ao seu intelecto, atingindo-lhe, supostamente, com uma Literatura besteirol, que diminuiu suas faculdades mentais. Eu pergunto a mim mesma o que fizemos de tão errado, querendo propagar a paixão literária, independentemente de gêneros ou credos, para sermos tão odiosamente ridicularizados, censurados por uma senhora tirana que não aceita que o tempo passou, que os clássicos antigos dividirão espaço com os novos e não se pode exigir de um autor do século XXI a mesma escrita e a mesma mente de um Machado de Assis em 1800, ou de um Shakespeare em meados de 1600.

Em nosso Brasil varonil, temos extensa maioria alfabetizada, mas muitos que integram a categoria sabem sequer ler ou escrever seus nomes corretamente. Além disso, o brasileiro, em média, lê pouco, chegando a cerca de 2 livros paradidáticos ao ano por habitante, um número estrondosamente baixo se colocado ao lado da média de países como os Estados Unidos ou todos, sem exceções, que compõem a Europa. Antes de tudo e acima de qualquer outra coisa, é necessário que se cultive o hábito, que mostre-se através de uma literatura prazerosa o quão benéfica esta arte pode ser. De acordo com a senhora Brant e muitos outros de sua geração, entretanto, a Literatura sem fundamentos ideológicos e “cultos” é, por si, desnecessária e dispensável. Em outras palavras, não é digno do título de leitor aquele que aceita os livros de sua época, sejam eles chick-lits, sobrenaturais ou pertencentes a quaisquer outros gêneros, pois a geração do século XXI, a geração Y, os jovens de hoje, são alienados, frutos da falta de educação e da desestruturação da sociedade moderna.

Não seria a Literatura, afinal, consequência de uma época, os reflexos do pensamento humano, o registros de nossos ideais e sonhos? Não seriam as próprias escolas literárias tendências de uma era, de uma sociedade? A geração ultrarromântica, tida como mal do século, por exemplo, era pessimista e mórbida por conta de problemas econômicos pelos quais os países europeus precursores dela passavam. O modernismo brasileiro surgiu com a Semana de Arte Moderna e também viveu às margens de uma ditadura, cheio de metáforas e revoluções em suas entrelinhas. O que os livros de hoje, então, refletem? Digo-lhes, caros leitores, que somos o reflexo de uma sociedade plural, que reúne diversas culturas e crenças, sem grandes traumas. Uma sociedade emergente e despreocupada, que desconhece a guerra e a crise, que sonha e convive diariamente com futurismos, uma sociedade capitalista e globalizada. Nossas características talvez formem uma nova escola literária, nossa Literatura certamente é mais forte em massa, mas não venham nos dizer que por não termos vivido todo o caos da humanidade, somos menores em qualidade.

Nós, da geração moderna, somos a ficção científica, o sobrenatural, o global e estrangeirista, o distópico fantasioso, o democrático cool, beirando ao anarquista. Yes, we do speak English. Mas permitam-me lembrar às gerações mais antigas que era de lei entre os jovens brasileiros supostamente intelectuais falar francês em meio a frases da língua máter. Permitam-me lembrar a estas também que clichês não são modernidades, que a história de Romeu e Julieta já foi visivelmente reinventada em outras obras mais antigas. Por que não dizer também que a existência dos best-sellers data dos primórdios literários, sendo novo apenas o termo americanizado? Por que não considerar A Moreninha, um clássico da literatura brasileira, um best-seller de sua época, tendo este sido campeão de vendas e precursor de tendências?

Daí vem o ataque aos blogs literários, que é por si só um ultraje e uma ignorância ao mesmo tempo. Não sou humanamente capaz de compreender qual é o mal que causamos, tentando causar o bem, ao propagar Literatura. É bem verdade que nossos números em escala bloguística não são os mais altos. Se nos compararmos a blogs de beleza, por exemplo, a diferença torna-se exorbitante. Todavia, é gratificante pensar não na quantidade, no grupo de pessoas que talvez já tenhamos inspirado ao escrever tão jovens sobre uma arte tão antiga. Até mesmo através das promoções, abominadas por intelectuais, incentivamos o culto aos livros, que fica a critério de cada um. Naturalmente, a articulista madura argumenta sobre a qualidade escassa em nossos textos, e me pergunto em quais critérios, exatamente, baseia-se sua argumentação. Em erros de ortografia, talvez? Bem justo e muito visíveis em alguns blogs. Falta de coerência, quem sabe? Atrapalha o leitor, é certo. Mas aparentemente, os paradigmas são um pouco quanto preconceituosos, baseados em escolha de gêneros e faixa etária, pois como a autora cita em dois de seus dois artigos publicados no Portal Literal, ela tem 64 anos e uma visão privilegiada do mundo.

Cabe ao leitor selecionar um bom ou mau blog literário. Cabe a ele o conjunto de critérios e argumentos que definem qualidade. Cabe a ele ler ou não, pois a Internet é uma ferramenta universal e democrática, que abre e fecha muitas portas. Também cabe a nós, blogueiros literários, de uma forma ou de outra, incentivar o culto a qualquer literatura possível nesse Brasil de 190 milhões de pessoas. Não é pior aquele que redige sua resenha subjetivamente, que usa abertamente a 1ª pessoa do singular para criticar um livro, pois o espaço pertence a ele próprio e o termo resenha é especialmente amplo, assunto para outra discussão. Não somos jornalistas, não somos profissionais, não somos remunerados, não estamos trabalhando. Fazemos isso por prazer, em nome de um sonho coletivo de ver um Brasil de leitores, uma Literatura de todos, que não inclui ou exclui um grupo seleto conforme sua idade, sua experiência e seu gosto, refinado ou duvidoso.

Pergunto-me também, quantas dessas pessoas que criticam negativa e abertamente a nossa blogosfera literária e a nossa juventude são capazes de sair de suas zonas de conforto para ler Harry Potter para crianças analfabetas. Pergunto-me se, por acaso, já pensaram na importância extrema que os livros juvenis têm para cultivar o leitor dos clássicos, que deve ir até eles por vontade própria e não pela obrigatoriedade do vestibular. Pergunto-me se a crítica, alguma vez em sua vida, já fechou a boca para se gabar dos autores de sua época e procurou compreender os da nossa. Pergunto-me se apreciarão a Literatura contemporânea que tornar-se-á clássica para as futuras gerações e o que dirão a elas, se pedirão que leiam livros datados de 1800 em seus iPods e iPads.

A arte da escrita e da leitura, como qualquer outra, molda-se ao seu tempo e transforma-se junto com ele. Quem nos garante que daqui a alguns anos nossas obras em matéria, capa, resmas e brochuras não serão definitivamente substituídas por e-books em aparelhos tecnológicos ? Ou então que as conversas de MSN se tornarão elementos comuns em meio a capítulos como quaisquer outros?

Monteiro Lobato disse, certa vez, que um país se faz com homens e livros. Pois discordo dele. Um país se faz com governantes, que não são homens como outros quaisquer, com um sistema vigente e uma cultura, que não tem, em seu sentido puro da palavra, nada realmente intrínseco à intelectualidade, como tantos alegam ter atualmente. A educação de um país, sim, se faz com livros. E mesmo a nossa ilustre senhora de 64 anos e tantos outros de sua geração tendo lido muitos clássicos e vivido períodos históricos traumáticos em meio aos homens de seus países, aparentemente faltou-lhes a educação. Tenho 16 anos, integro minha juventude alienada, não ofendi Caldeira Brant com uma palavra sequer e ainda acredito em um Brasil com leitores de verdade.
 

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