26 dezembro 2010

Do nostálgico destinatário

Iniciamos (e não fechamos, domingo é o primeiro dia) a semana com a crônica.
Boa leitura a todos!
Deviantart by RuinedSoul

  Um dia desses acordei decepcionada, ansiosíssima pelas várias cartas de minha vida que nunca chegaram. Cartas vindas de qualquer lugar, com simples ou quaisquer palavras.Cartas físicas, com envelope de papel, selo, destinatário e remetente. Vieram apenas e-mails, recados nas redes sociais. Tudo rápido, fácil, abreviado...
   Fiquei louca da vida por terem chamado-me de “vc”, só de pensar que, em alguma época perdida, não economizávamos palavras, letras... Era vossa mercê. Também não agradou-me a impessoalidade. A mensagem não era direcionada a mim. Não apenas. Era a mim e a mais algumas cincos pessoas que estavam no grupo dos amigos. Havia alguns desenhos no rodapé da mensagem. Eram animais bonitinhos, muito bem desenhados e coloridos, que se mexiam e desejavam-me um feliz natal. Tinha até música. Mas eu não gostei. Senti falta das cartas, do meu remetente esquecido no tempo.
   Desejei demasiadamente que o carteiro viesse. Ele viria suado,orgulhoso ou simplesmente irritado com seu trabalho,cansado de entregar as tantas cartas que este Brasil apaixonado mandava. Eram homens e mulheres declarando-se ou pedindo por perdão; o pai de família que mandava da Inglaterra o dinheiro do fruto de muito trabalho, com uma pequena nota transmitindo suas doloridas saudades; amigos de longa data redigindo suas felicitações pelo nascimento do afilhado; a namorada que se comunicava com o amante soldado, longe dali; a moça desiludida com a vida que contava seus medos a um rapaz de outra parte do mundo, nunca tinham se visto, porém planejavam o encontro para logo; o presente de aniversário atrasado com um cartão pomposo da tia portuguesa; alguns rascunhos extraviados de um jovem que nunca pôde imaginar o escritor prestigiado que viria a tornar-se; ou cartas simples, apenas colegas perguntando como ia a vida, o que tinham feito de bom... O carteiro, como podem imaginar, nunca veio. Ou talvez tenha vindo. Entregou contas, algum dinheiro que deveria pagar, e também uns folhetos baratos de mercado, promoções imperdíveis. Nada que interessasse minha alma frágil.
   Senti falta da época em que nós não éramos tão práticos. Da época em que tínhamos algum tempo, éramos menos estressados... Das coleções de selos que eu poderia ter feito em vez dos tantos gifs que recebi em e-mails. Senti falta de uma época não vivi. Puro romantismo, nostalgia falsa que jamais pôde existir. Caio-me em mim mesma. Abro a caixa de entrada e respondo meus amigos. Eles não sabem , nem sequer poderiam imaginar que, no fundo, este destinatário chato e nostálgico ainda espera que lhe escrevam cartas. Ninguém escreve-me cartas.







2 comentários:

Angel disse...

Recebi uma correspondencia esse ano, fora de datas comemorativas de um amigo que sempre esta presente mas que tem essa sensibilidade do pessoal que você descreveu no post.
Eu ainda peguei essa época em que se mandava cartas e de fato havia um certo romantismo.
;) Feliz ano novo!

Gabriel G. disse...

Gostei dos textos de Ana.
Pretendo dar uma passada por completo no blog.
Quando tiver tempo,
parabens.