14 janeiro 2012

Coração de Tinta, de Cornelia Funke

Resenha da semana é uma coluna na qual Ana dá sua opinião a respeito do livro lido no momento, com direito a trechos e informações completas sobre a obra e o autor. Postada aos sábados.
Título: Coração de Tinta
Título original: Tintenherz
Autor: Cornelia Funke
Tradução de: Sonali Bertuol
Editora: Companhia das Letras
Número de páginas: 455
Edição: São Paulo 2006
ISBN: 978-85-359-0772-8
Gênero: Literatura Alemã; Infanto-juvenil
"Alguns livros devem ser degustados,
Outros são devorados,
Apenas poucos são mastigados
E digeridos totalmente."
Em meio ao nosso percurso literário entre blogueiros, talvez pela faixa etária ou pela própria preferência dos leitores, é comum nos depararmos com alguns muitos livros voltados para jovens. Por aqui mesmo, já fiz resenha de vários deles. Coração de Tinta, entretanto, tem um pouco da magia que só um toque puro e infantil pode possibilitar. Um infanto-juvenil declaradamente que faz alusão a nada mais, nada menos, que à paixão pelos livros.

Assim como muitos, creio eu, já tinha assistido ao filme baseado no livro e considerei-o bem interessante, apesar de ter sentido falta de um diferencial pelo qual normalmente buscamos nas novidades. Não tinha muita curiosidade a respeito da obra literária, até ver alguns vários blogueiros comentarem de forma muito apaixonada sobre o quanto gostavam daquele livro, quantas boas memórias ele traziam. Timidamente, fui lendo alguns trechos por aí e me convencendo, aos poucos, de que Cornelia Funke definitivamente merecia uma chance. Não me arrependo de tê-la possibilitado.

Cena do filme homônimo baseado na obra de Cornelia Funke
Em Coração de Tinta, conhecemos a história de Meggie, uma garota de doze anos e Mortimer, seu pai, dois apaixonados pela Literatura que vivem sozinhos a viajar para que ele possa exercer seu trabalho, o de consertar livros antigos. Meggie não se lembra, mas num dia, quando tinha 3 anos sua mãe partiu para algum lugar que ela desconhece e sobre o qual o pai jamais falou, embora fosse evidente a falta que lhe fazia. A menina não faz ideia, porém, naquele dia, algo de extraordinário aconteceu. Enquanto Mo lia um tal de "Coração de Tinta" para a filha e a mulher, sua voz libertou 3 personagens da história para o seu mundo - Capricórnio, Basta e Dedo Empoeirado - e levou Teresa, sua amada, para o deles. Desesperado, sem saber o que fazer para trazê-la de volta, prometeu nunca mais ler em voz alta e proteger a filha, sempre escondendo-se junto dela dos personagens saídos das páginas do livro que prometiam voltar para reclamar sua libertação.

Após muitas fugas e viagens de diferentes propósitos, sem estabelecerem um lar ao certo, 9 anos depois do ocorrido, exatamente, Dedo Empoeirado aparece à porta do sítio em que moram pai e filha em busca de Mo, a quem, estranhamente para a filha, chama de Língua Encantada. Sem compreender muito do que acontece e desconfiada de que o pai esteja lhe escondendo algo, Meggie é despertada logo cedo no dia seguinte por Mo para que se apronte para viajarem imediatamente. Ela não sabe, mas será uma longa viagem, repleta de aventuras, surpresas, segredos, medo e, principalmente, livros.

Em minha última postagem aqui no blog falei dessas obras literárias que tratam de livros, do fascínio que elas exercem sobre os leitores mais assíduos. Com esta aqui não poderia ter ocorrido de outra forma. O primeiro elemento a se elogiar é a narrativa excepcional de Cornelia Funke, percebida logo nas primeiras palavras do livro. Nada há de pomposo, exagerado ou, quem sabe, infantil demais. É uma escrita apaixonada, habilmente conduzida, com vários trechos que naturalmente exercem maior admiração no leitor, desejoso de guardá-los em sua memória, tamanha a força das palavras. As descrições também são bastante ricas, o que considero o ponto alto da obra infanto-juvenil, capaz de transmitir toda a magia que as crianças gostariam de sentir, em paisagens por vezes pitorescas, noutras assustadoras, mas sempre com um toque fantástico a mais.
"Havia livros espalhados por toda a casa. Eles não ficavam apenas nas estantes, como na casa das outras pessoas. Não, ali eles se empilhavam debaixo das mesas, em cima das cadeiras, nos cantos dos quartos. Havia livros na cozinha e no banheiro, em cima da televisão e dentro do guarda-roupa, pilhas pequenas, pilhas altas, livros grossos e finos, velhos e novos... livros."
Gosto também dos personagens, muito bem construídos, com receios e sonhos, características todas próprias. Meggie é uma protagonista corajosa, mas que, como criança, também sente medo de forças superioras à sua e naturalmente curiosa. Mo é a imagem do pai sereno, meio nostálgico pela perda da mulher e os constantes mergulhos no mundo dos livros. Capricórnio é um vilão interessante, frio e bem melhor composto que o que aparece na versão do filme baseado em Coração de Tinta, por exemplo. Gosto particularmente de Elinor, do quanto ela muda conforme as aventuras que vive ao lado de Meggie e Mo, mostrando-se uma pessoa completamente boa. Talvez, entretanto, o destaque esteja com Dedo Empoeirado, que tem o grande dilema da história, sempre oscilando entre amigo e traidor pelas saudades que sente de sua terra. Pode também ser muito corajoso e, paralelamente, o mais covarde de todos. Paradoxos à parte, criatividade não faltou.

No mais, a história do livro transcorre num ritmo saudável, com algumas surpresas, todavia tudo bastante estável e sem empreitadas de risco, o que é mais característico deste lado ainda destinado às crianças. As últimas 50 páginas eu destacaria como as mais fluidas, cheias de revelações e sequências com a essência da aventura mais pura e um final inteligente, que deixa no ar o que há de acontecer na sequência da trilogia, Sangue de Tinta.
"Os livros eram o único lugar onde havia compaixão, consolo, alegria...  e amor. Os livros amavam a todos que os abriam, ofereciam proteção e amizade sem exigir nada em troca, e nunca iam embora, nunca, mesmo quando não eram bem tratados." 
Avaliação Geral: 
Nota 4 de 5 (Muito Bom)

Um bom sábado a todos!

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