24 março 2012

Os Gêmeos, de Pauline Alphen

Resenha da semana é uma coluna na qual Ana dá sua opinião a respeito do livro lido no momento, com direito a trechos e informações completas sobre a obra e o autor. Postada aos sábados.
Título: Os Gêmeos - Crônicas de Salicanda Livro I
Título original: Les Éveilleurs
Autor: Pauline Alphen
Tradução de: Dorothée de Bruchard, com a colaboração da autora
Editora: Companhia das Letras* (cortesia - parceria)
Número de páginas: 367
ISBN: 978-85-359-2007-9
Gênero: Literatura Juvenil; Aventura
"Jad era tão loiro quanto Claris era morena, seus olhos eram de um preto tão profundo quanto os da irmã eram claros, quase transparentes. Eles tinham, contudo, as mesmas feições, as mesmas expressões, o mesmo sorriso: os traços delicados de sua mãe, cujo holograma pendia numa corrente no pescoço do Duque. Era como o capricho de um pintor que, satisfeito com as formas, mas indeciso quanto às cores, resolvesse não fazer escolhas e manter, ao invertê-las, todas as opções."
Os Gêmeos, primeiro volume da série As Crônicas de Salicanda conta a história dos jovens irmãos, Jad e Claris, habitantes de um futuro distante em que poucos humanos restaram e toda a tecnologia com seus imensos avanços não mais existe. Uma distopia com um governo talvez não tão repressor ou cruel quanto os de livros como Jogos Vorazes ou Destino, mas absolutamente retrógrado, tal qual uma aldeia medieval situada em meados de 2200.

Nove luadas (anos, de acordo com a autora) antes, um acontecimento marcou a vida dos gêmeos em Salicanda que alterou o rumo de suas vidas para sempre. Sua mãe, a encantadora Sierra, filha de Jors, ditador das novas regras, desaparece sem quaisquer rastros e deixa a estrutura da família abalada, como se nunca mais pudesse haver alegria. Seu marido, Eben, o Duque, transtornado de tanto amor reprimido, acaba por se afastar dos filhos, tornando o elo paterno muito frágil. Jad e Claris crescem então no ambiente do castelo, aos cuidados da ama Chandra e de seu mestre, Blaise, desenvolvendo características diferentes e distanciando-se cada vez mais da gemelaridade. Enquanto o menino tem uma ligação muito forte com o psíquico por conta de uma deficiência no coração, é extremamente paciente e capaz de se concentrar, a moça é leviana, inquieta e não entende por que apenas os homens ficam responsáveis por nobres feitos heroicos, ao passo que as mocinhas de livros só os esperam, incapazes de manejar uma espada sequer.

Como primeiro volume de uma série, há uma introdução completa a respeito dos fatos em torno dos quais gira a premissa. Logo o leitor é surpreendido com uma visão do que poderia ter acontecido à Terra, de todo o caos provocado pelos seres humanos dos séculos XXI e XXII.  São avanços tecnológicos e medicinais incríveis que nos permitem, por exemplo, viver cerca de 120 anos, e conectar-nos como que por telepatia através de chips implantados em nossos cérebros... Até o momento em que tudo vira um caos: em que a maioria de nossa fauna e flora está extinta, em que a água é demasiada escassa e uma geração totalmente alienada persiste. Surgem as guerras, as doenças e a pobreza que acabam por dizimar grande parte da população humana mundial, provocando a ascensão de novos governos ditatoriais retrógrados, abolidores da  tecnologia. Restam a intelectualidade dos livros e a engenharia dos objetos primários dos seres humanos, além de uma total ignorância sobre os tempos antigos.

Em meio a esse cenário é que os irmãos, dotados de dons sobrenaturais como os de sua mãe, ao lado de seus amigos do castelo, especialmente o jovem Ugh, vão buscar as respostas de sua vida desde a noite do desaparecimento de Sierra até a origem de sua ligação telepática, responsável por transmitir os sentimentos um do outro, com uma aventura que promete tirar o fôlego, contudo o faz muito levemente.

A narrativa de Pauline Alphen é envolvente e tem uma base com alicerces concretos para uma história memorável. Suas personagens são complexas, passíveis de defeitos e de qualidades admiráveis; a própria gemelaridade de Jad e Claris é muitíssimo bem elaborada, cheia de ligações que podemos considerar místicas e que vão além da fraternidade que costumamos presenciar na literatura juvenil. Há, além disso, toda uma teoria de um possível futuro da sociedade, irreal, mas adaptável a qualquer imaginação fértil e interessada, aliada a uma intertextualidade rica que cita desde a Ilíada de Homero até a série Harry Potter, tão querida por nossa geração. O que realmente faz falta, entretanto, é a aventura prometida, provavelmente por se tratar de um volume introdutório, mas que acaba por causar uma deficiência de interesses ao longo da leitura, fluida, mas também lenta e ponderada. O próprio clímax custa muito a acontecer e é repentino, rápido demais, deixando uma confusão a respeito do contexto geral da história e do que de fato ocorreu.

Aos que buscarem uma série juvenil para ser acompanhada, indico, sem medo, As Crônicas de Salicanda, que devem evoluir muito em seus próximos volumes conforme o próprio amadurecimento dOs Gêmeos. Indico principalmente pela riqueza de informações contidas na história, altamente capaz de preencher de Literatura as mentes mais curiosas e jovens de nossos leitores.
Jad ergueu o queixo de modo que ela o olhasse de frente. Negro sobre azul, profundeza e transparência, os dois olhares se chocaram por um momento e então se reconheceram e se fundiram, reencontrando o caminho seguro de sua gemelaridade."
 Avaliação Geral:
Nota 3 de 5 (Bom)

Um bom sábado a todos!


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