28 agosto 2012

Amada Imortal, de Cate Tiernan

Como prega o provérbio atemporal em diversos idiomas espalhados pelo mundo, "Não se deve julgar o livro pela capa".Verdade seja dita que há uma forte ambiguidade na retórica de quem o emprega; com leitores, no entanto, o negócio é literal. Daí foi bater o olho em Amada Imortal para eu pensar: lá vem mais um livro de vampiros e promessas feitas entre jovens de 17 anos de amores eternos. Fico contente, todavia, ao constatar que, embora conserve um pouco da aura dos sobrenaturais de nossos cotidianos, Cate Tiernan vai além ao redigir um livro que, acima de tudo, trata do caos que vive sua protagonista em busca do autoconhecimento.

Nastasya é uma jovem (de aparência, ao menos) rica e à-toa que integra um seleto grupo de seres chamados Imortais. Não aqueles com os quais nós estamos habituados, lê-se vampiros, mas uma espécie distinta, dotada de um poder antigo chamado magick e, naturalmente, da capacidade de viver por muitos e muitos séculos, até eternamente, se não forem mortos de alguma maneira absurda (não revelada neste primeiro volume, inclusive). Em nome desta condição privilegiada, a protagonista acumulou riquezas e riquezas ao longo de sua vivência turbulenta com um grupo de amigos que não negam uma farra e a boa vida de libertinagens. Com seus 400 e poucos anos, a moça já viu de tudo um pouco, o que leva o leitor a pensar que seja tempo suficiente para adquirir um certo conhecimento e tornar-se uma pessoa, no mínimo, madura (mais que um fruto fora do prazo de validade), mas não é o que acontece com Nastasya. Em nome de seu passado doloroso e do tanto que já presenciou da desgraça humana, ela simplesmente decide que vai mergulhar com fervor no embalo de uma vida inconsequente e repleta de luxúria ao lado de seus amigos Imortais, passando por cima do mundo com seu dinheiro e suas maneiras arrogantes e autodestrutivas.

Ao início do livro, Innocencio, o melhor amigo de Nasty, é responsável por um ato terrível contra um humano ao empregar magick negra que faz com que a protagonista, enfim, caia em si ao perceber a mediocridade de tudo que tem feito e vivenciado ao longo dos anos. Perdida e sem saber para onde fugir, saindo de uma Londres marcada por seu cotidiano opulento, a moça vai parar numa pequena cidade de Massachusetts onde uma vez, no passado, uma mulher lhe ofereceu apoio para quando, um dia, tudo lhe parecesse um verdadeiro caos. Completamente adequada ao contexto, ela se vê diante de um grande desafio ao deixar toda uma vida de porres, roupas de grife, festas e viagens caríssimas para trás por um cotidiano incerto e monótono numa fazenda, ao lado de outros Imortais que apenas se importam com sua paz interior ao prepararem refeições com os legumes que eles mesmos colhem, além de diversas outras tarefas do campo e de trabalhadores.

Lá ela também será surpreendida pela natureza das pessoas e, acima de tudo, por um golpe arrasador de paixão que colocará à prova muitas de suas convicções e, especialmente, atingirá em cheio as memórias de um passado doloroso e de uma vida esquecida pelo passar dos anos, a qual pode ocultar muitos segredos e respostas para sua própria existência.

Chama atenção que em Amada Imortal, contrariando as convicções dos gêneros juvenis, Nastasya está mais para anti-heroína do que qualquer outra coisa. A começar pelo seu carisma que, ao início, é quase imperceptível. Nas primeiras páginas o leitor só conseguirá pensar em como aquela protagonista pode ser tão pé no saco, por assim dizer vulgarmente. São tantos os horrores que ela presencia imóvel que em diversos momentos tive vontade de sacudi-la e pedir-lhe intensamente que acordasse para a vida. Este despertar, contudo, é o grande barato deste volume introdutório, descrito de perto para o leitor a cada vitória, a cada conquista e, também, a cada fraqueza da moça, como os vários flashbacks que a assaltam e abrem seus olhos para um passado de mágoas.

Mesmo com tantos motivos para inserir criaturas de mundos sobrenaturais e uma temática sem pé nem cabeça, cheia de feitiços e profecias repetitivas, Cate Tiernan vai além e mostra o lado mais humano em cada uma de suas personagens. A maioria delas, inclusive, muito humanamente estragadas. Através de metáforas utilizadas em todo o livro, há uma sutil mensagem que mostra o quão tênue pode ser a linha entre o bem e o mal. Mais ou menos como disse certo autor uma vez (não me recordo quem) que todos temos trevas e luz em nossos interiores. Sou favorável à causa, naturalmente.

Com doses homeopáticas de um lado mais sombrio da literatura juvenil, boas tiradas da protagonista na narração em 1ª pessoa, um romance febril em que os protagonistas mais parecem inimigos que amantes (engraçado que eles sejam exatamente isso, mas fiquemos por aqui para que eu não dispare spoilers) e uma verdadeira jornada rumo à aceitação, Amada Imortal surpreende positivamente e consegue deixar o seu leitor, no mínimo, curioso para o que está por vir no próximo volume da série, no qual muitas águas correrão ainda, como é perceptível. Pode ler sem medo que é alvo certo!

Informações técnicas
Título: Amada Imortal
Título original: Immortal Beloved
Autora: Cate Tiernan
Tradução de: Regiane Winarski
Editora: Galera Record
Número de páginas: 279
ISBN: 978-85-01-09265-6
Gênero: Literatura juvenil; Sobrenatural


Cate Tiernan é o pseudônimo de Gabrielle Charbonnet, uma autora americana nascida em New Orleans, Louisiana, nos Estados Unidos, no dia 24 de julho de 1961.
Com o "pen name" Cate Tiernan, se tornou bastante conhecida pela sua série de livros Sweep, que será lançada aqui no Brasil também pela Galera.




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