22 setembro 2012

O Irã sob o chador, de Adriana Carranca e Marcia Camargos

"Um lugar onde o que se vê não é. E o que é não se vê", na definição de um diplomata brasileiro que vivera três anos no Irã. A terra do meio." p. 95
Entre os tantos benefícios que a Literatura acarreta, o conhecimento é, certamente, um dos mais duráveis e imprescindíveis à mente e ao saber humano. Ser brasileiro e ter como lar um país que segue à risca os padrões ocidentais de liberdade torna-se uma grande divergência quando se lê a respeito de um Irã milenar, herdeiro da Pérsia e convicto estado islâmico no qual, apesar da luta de alguns moradores, muitas tradições antigas prevalecem, nem sempre favoráveis ao conceito da tal expressão livre.

Conhecer a sociedade iraniana através do olhar jornalístico e também lírico das autoras Adriana Carranca e Marcia Camargos é, no mínimo, bastante curioso e, de um certo ponto de vista, familiar, especialmente quando leva-se em conta o fato de sermos todos estrangeiros ávidos pela compreensão do que pilares tão antigos são capazes de representar nos dois âmbitos, tanto o positivo quanto o negativo, mas sem aquela visão tendenciosa e generalizadora que a mídia internacional veicula sobre o Islã.

Imagens encontradas no interior do livro
A uma primeira leitura, é fascinante ver quanta história essa porção de terra carrega em cada um de seus monumentos, em cada ruína. É fascinante, acima de tudo, realizar que, apesar de toda a modernização propulsionada pelo mundo globalizado, algumas tradições iranianas são insuperáveis, como as feiras de rua em que comerciantes e consumidores barganham, diferentemente dos supermercados capitalistas dos países ocidentais em que tudo é muito individualizado. Dividido em duas partes, uma para cada jornalista a respeito das viagens que fizeram, separadamente - e com enfoques bem particulares também, a propósito - O Irã sob o chador é um livro bem redigido, dotado da capacidade de provocar reflexões por parte de seus leitores e motivar debates interessantes a respeito de uma nação que carrega consigo uma imagem extremamente deturpada no exterior, contrariando uma geração jovem e cheias de sonhos que reside em seu âmago.

Marcia Camargos é quem toma a frente da parte um, intitulada A Caminho de Pasárgada. Através de uma visão madura e privilegiada de quem já escreveu sobre o Irã anteriormente (sem tê-lo visitado, inclusive), há um enfoque na história persa milenar intercalado com as experiências vivenciadas pela autora em seu curto período de estada. Dos tantos fatos lidos, destaco a menção muito bem sacada sobre o cinema iraniano, que tem alçado voos no cenário internacional através de longas como o vencedor do Oscar deste ano de melhor estrangeiro, Separação (já resenhado aqui), e os empecilhos pelos quais seus veiculadores se veem obrigados a passar ao tentar mostrar ao mundo a realidade vivida dia após dia pela mulher, por exemplo, ainda privada de muitos dos direitos ocidentais num estado teocrático. Marcia descreve o país também como um retrato visual de nossos anos 50, em nome das vestes do povo, da frota antiga de carros nas ruas, dos outdoors esquisitos, arquitetura antiga e ostensiva. Todavia, especialmente, em nome da educação e do respeito que esta verdadeira civilização carrega em seus valores.
"Poderia me dar seu bilhete, por favor".
Ergui os olhos e vislumbrei a figura do gerente, que acabara de sair das preces e vinha me procurar. Entreguei o papel e ele regressou trazendo o dinheiro da passagem que, por se tratar de um voo fretado, nem era reembolsável. Engoli em seco, retendo mais aquela lição. Definitivamente, concluí, os bárbaros éramos nós." p. 87
Um retrato da mulher na sociedade
A Terra do Meio é a segunda parte, redigida por Adriana Carranca, mais dinâmica e factual, também de forte abordagem política e explicações sobre as relações do governo brasileiro com o governo iraniano do líder Ahmadinejad.  Particularmente falando, achei-a mais interessante, com um contato mais próximo e palpável da autora com a sociedade iraniana, de maneira especial pelo fato de ela frequentemente mencionar a visão de sua tradutora oficial no país, Malileh. Sem reservas, a jornalista disserta sobre a atuação da mulher na sociedade, tabus sexuais, proibição de qualquer bebida alcóolica, festas que ocorrem sob a proteção das casas, desafios driblados pelos jovens para levar uma juventude como a de qualquer outra nação. Dos capítulos mais importantes, destaque para aquele em que o leitor é convidado a conhecer a história de Shirin Ebadi, advogada e primeira mulher a receber o Nobel da Paz no Irã. Através de um rápido diálogo, é possível conhecer, pela voz desta líder mundial, alguns dos anseios e aspirações da população feminina nacional.

Em cerca de 200 páginas, pelo olhar pormenorizado das autoras, o leitor tem a possibilidade de conhecer um Irã cheio de sonhos e desafios a vencer. Uma nação em que um turista, na ausência de dinheiro, leva um tapete caríssimo para casa prometendo ao vendedor um depósito bancário quando chegar ao Brasil, mas sem nenhuma garantia de que realmente o faria. Também em que os homossexuais desejosos de viverem suas relações veem como única saíde tornarem-se transsexuais, condição atribuída à categoria de doentes mentais no lugar, que fatalmente acaba em prostituição e no forte preconceito dos cidadãos ao redor. Uma nação em que as mulheres são maioria, mas que muitas vezes têm suas vozes silenciadas por uma interpretação rígida do Alcorão, responsável por diminuí-las a um estrato da sociedade distinto daquele ocupado pelos homens. Um Irã que tem passado, presente e futuro atrelados nas lacunas da história mundial, dissecado neste livro de maneira especial e que vale - muito - a leitura.
"De uma cultura milenar, mas ainda tão desconhecida. De um povo que cultua a poesia, mas é frequentemente confundido com radicais terroristas. De mulheres que ocupam a maioria das vagas nas universidades e postos de trabalho, mas são subestimadas como frágeis e oprimidas. Uma nação predominantemente jovem, porém retratada por imagens de velhos homens de barba longa e turbante. Um país rico em petróleo, mas marcado pelo atraso imposto por sanções econômicas. Uma civilização de incontáveis contribuições para a humanidade, porém, julgada pelos acontecimentos dos últimos trinta anos, como se sua história se resumisse a isso." p. 95
Informações técnicas
Título:
O Irã sob o chador
Autoras: Adriana Carranca e Marcia Camargos
Editora:
Globo
Número de páginas: 238
ISBN:
978-85-250-4879-0
Gênero: Narrativas pessoais; Jornalismo




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