17 março 2013

O Príncipe da Névoa, de Carlos Ruiz Zafón

Considero Zafón um daqueles casos raros de autores em que a paixão e a vocação para a escrita ficam evidentes em cada fragmento de sua narrativa. Ao mesmo tempo, também, o leitor que já está habituado às suas obras identificará nelas, facilmente, as semelhanças sobre as quais tanto falam aqueles que afirmam que  todos os livros de um escritor, ainda que não pertençam a uma série, são a continuação da mesma história. Há quem chame tal evidência de estilo. E o estilo deste notável espanhol se faz pulsante ao longo de O Príncipe da Névoa, um dos romances que compõem suas contribuições para o gênero juvenil, ao lado de Marina, por exemplo, recentemente publicado no Brasil pela Suma de Letras.

O protagonista da vez é Max Carver, um garoto que se muda juntamente com a família para uma tranquila cidade litorânea, em decorrência da tensão vivida em toda a Espanha pela guerra, no ano de 1943. A casa que lá passam a chamar de lar, no entanto, apresenta algumas peculiaridades que intrigam seus moradores: um gato estranho e vigilante que tem um gosto por coisas mórbidas e é adotado pela irmã caçula do protagonista, Irina; sons horripilantes de vozes que ecoam nos quartos; fitas deixadas pelos antigos moradores que mostram a infância de um garoto que faleceu na cidade e, principalmente, um jardim de estátuas abandonado que tem uma trupe de artistas de circo esculpidos de maneira assustadora. Como se não bastassem as excentricidades da vila, há ainda um barco naufragado, evitado até pela vida marinha, o qual foi fruto de um acidente em que todos os tripulantes morreram, menos um engenheiro que cuida do farol da cidade.

Max, com o tempo, ao lado de sua irmã Alicia e do amigo de ambos, Roland, descobrirá que todos esses fatos anormais talvez tenham uma forte ligação entre si. Esta, por sua vez, os conduzirá à misteriosa figura do Príncipe da Névoa. E o clima sombrio dos juvenis do autor está aí novamente.

"Max tinha lido uma vez, num dos livros do pai, que certas imagens da infância ficam gravadas no álbum da mente como fotografias, como cenários aos quais, não importa o tempo que passe, a pessoa sempre volta e nunca esquece. Max compreendeu o sentido daquelas palavras na primeira vez em que viu o mar."
p. 12
Embora traçar paralelos entre obras seja, de um ponto de vista crítico, injusto, é inevitável falar de Carlos Ruiz Zafón e não ligar suas histórias umas às outras. E conclui-se daí que o que as diferencia, naturalmente, além dos próprios enredos, é a maturidade do escritor em cada fase literária. O Príncipe da Névoa, no caso, faz parte da sua tríade de obras juvenis e tem um significado especial por ser a primeira publicação do autor. O que é visível, todavia, é que sua criação ainda tinha um longo caminho dedicado à evolução.

Fazendo uma síntese geral das características deste livro, é evidente a aura obscura que existe por trás de cada fato. Simplesmente porque, como já comentei aqui em outras resenhas, o juvenil de Zafón não é o tipo convencional pelo qual o leitor aguarda, isto sem se falar naquele mistério e no terror especial que muitas vezes surpreendem enquanto os acontecimentos se destrincham. Neste O Príncipe da Névoa, agradou-me especialmente a composição bem feita dos cenários, como o das casa e o da cidade, que criaram uma situação propícia para sentirmos na pele os mesmos receios e medos de Max, sem a Barcelona de todos os dias, que é lugar-comum em outras obras de sua autoria.

Das personagens, neste caso, difícil não simpatizar com a figura de Roland, um jovem morador da vila que faz amizade com o protagonista e logo se envolve romanticamente com uma de suas irmãs. Tudo com aquele gosto doce de euforia e primeiro amor. Em se tratando do nosso herói, a sagacidade lhe rende bons momentos de descobertas. Não é, definitivamente, o tipo de personagem que demora para ligar os fatos. Muito pelo contrário, na verdade. O destaque, todavia, fica com a persona que dá nome ao livro. Uma figura construída de maneira mística e até diabólica, que intriga e traz à tona aquilo que há de melhor no estilo do autor.

Mas talvez pela menor quantidade de páginas ou pelo próprio gênero em si, tive a impressão de que não fui completamente envolvida pela trama do livro. Ainda que seja Zafón e ainda que o romance seja bastante chamativo, há a impressão de que tudo acontece muito rapidamente, com uma intensidade que não me captou deveras. Devo isso provavelmente ao fato de já ter tido contato com obras mais maduras do escritor e não ser, no momento, tão facilmente impressionável por um final que, previsível ou não, não poderia nos levar muito longe. 

Melancólico, sombrio e misterioso, O Príncipe da Névoa é, principalmente, para os fãs de Carlos, um marco, o pontapé inicial de sua carreira e um fruto que ainda está para amadurecer. Para os leitores de primeira viagem, por outro lado, é uma introdução sutil e interessante que pode conduzi-los a um longo caminho de encanto pelas ruas espanholas de uma prosa quase impecável e apaixonante.

Obs.: Deixem de ser preguiçosos, caso forem ler Zafón, e atentem-se às notas do autor que seus livros juvenis têm antes do início da história. Impossível não se conectar ao autor queridíssimo.

Informações técnicas
Título: O Príncipe da Névoa
Título original: El Príncipe da la Niebla
Autor: Carlos Ruiz Zafón 
Tradução de: Eliana Aguiar
Editora: Suma de Letras (cortesia)
Número de páginas: 180
ISBN: 978-85-8105-122-2
Gênero: Romance espanhol

Carlos Ruiz Zafón nasceu em 25 de setembro de 1964, em Barcelona, cenário de seus romances A Sombra do Vento e O Jogo do Anjo, dos quais O Prisioneiro do Céu é uma continuação. Desde 1993, ele vive em Los Angeles, onde trabalha como roteirista de cinema e televisão. Nos anos 1990, escreveu a trilogia infanto-juvenil composta por O Príncipe da Névoa (1993), O Palácio da Meia-Noite (1994) e As Luzes de Setembro (1995), além de Marina (1999). Lançado originalmente em 2001, A Sombra do Vento vendeu mais de dez milhões de exemplares em todo o mundo. Seu livro mais recente é O Prisioneiro do Céu, de 2012.

0 comentários: