20 dezembro 2011

Introduzindo Zafón: 2º capítulo de "El Prisionero del Cielo"

Dando continuidade às postagens sobre Carlos Ruiz Zafón, chegamos ao segundo e terceiro capítulos de "El Prisionero del Cielo", continuação de "A Sombra do Vento".

Para acompanhar as outras postagens, clique nos títulos abaixo:
* Introduzindo autores #1: Carlos Ruiz Zafón
* Introduzindo Zafón: 1º capítulo de "El Prisionero del Cielo" traduzido

El Prisionero del Cielo, de Carlos Ruiz Zafón (no Skoob) | Site oficial

Barcelona, 1957. Daniel Sempere e seu amigo Fermín, os heróis de A Sombra do Vento, voltam novamente à aventura para enfrentar o maior desafio de suas vidas. Justamente quando tudo começava a lhes sorrir, um personagem inquietante visita a livraria Sempere e ameaça revelar um terrível segredo enterrado há décadas na obscura memória da cidade. Ao conhecer a verdade, Daniel compreenderá que seu destino o leva inexoravelmente a enfrentar a maior das sombras: a que está crescendo em seu interior. Transbordante de intriga e emoção, El Prisionero del Cielo (O Prisioneiro do Céu) é um romance magistral onde os leitores de A Sombra do Vento e O Jogo do Anjo convergem através da magia da literatura e que nos conduz para o enigma que se oculta no coração do Cemitério dos Livros Esquecidos.

Os créditos da tradução a seguir são devidos integralmente ao autor Breno Melo. Não copie o conteúdo, total ou parcial, sem autorização do mesmo.

2


Aproveitando que eu havia ficado sozinho decidi ligar o rádio para desfrutar de um pouco de música enquanto reorganizava a meu gosto as coleções nas prateleiras. Meu pai achava que ter o rádio ligado na livraria quando havia clientes era pouco apropriado; e, se o ligava na presença de Fermín, este começava a cantarolar versos em cima de qualquer melodia — ou, pior ainda, a dançar o que ele denominava "ritmos sensuais do Caribe" — e em poucos minutos deixava-me com os nervos a flor da pele. Tendo em conta essas dificuldades de ordem prática, eu havia chegado à conclusão de que deveria limitar meu prazer com as ondas do rádio a esses raros momentos em que, além de mim e de várias dezenas de milhares de livros, não havia mais ninguém na loja.

A rádio Barcelona transmitia essa manhã uma gravação clandestina que um colecionador tinha feito do magnífico concerto que o trompetista Louis Armstrong e sua banda haviam dado no hotel Windsor Palace da Diagonal, três Natais atrás. Nos intervalos comerciais, o locutor se ocupava em rotular esse som como llass e notava que algumas de suas síncopes impudentes podiam não ser apropriadas para o consumo do ouvinte nacional forjado na tonadilha, no bolero e no incipiente movimento ye-ye-ye que dominavam as ondas do rádio no momento.

Fermín costumava dizer que, se Dom Isaac Albéniz tivesse nascido negro, o Jazz teria sido inventado em Camprodón, como os biscoitos em lata, e que, junto com aqueles sutiãs embicados que sua amada Kim Novak exibia em alguns dos filmes que víamos no cinema Fémina na sessão matinal, esse som era uma das escassas conquistas da Humanidade àquela altura do século XX. Não ia discutir isso com ele. Permiti-me passar o resto da manhã entre a magia dessa música e o cheiro dos livros, saboreando a serenidade e a satisfação que transmite o trabalho simples feito com vontade.

Fermín tinha tirado a manhã de folga para, segundo ele, finalizar os preparativos de seu casamento com a Bernarda, previsto para início de fevereiro. A primeira vez que ele tocou no assunto apenas duas semanas atrás, todos nós lhe dissemos que estava se precipitando e que com pressa não se chegava a nenhuma parte. Meu pai procurou convencê-lo a adiar o enlace por pelo menos dois ou três meses argumentando que os casamentos eram para o verão e o bom tempo, mas Fermín havia insistido em manter a data alegando que ele, espécime curtido no rigoroso clima seco das colinas estremenhas, suava em bicas quando lhe chegava o verão da costa mediterrânea, segundo sua opinião semitropical, e não via elegância em celebrar suas núpcias com manchas do tamanho de torradas no sovaco.

Eu começava a pensar que algo estranho tinha que estar acontecendo para que Fermín Romero de Torres, bandeira viva de resistência civil contra a Santa Madre Igreja, o sistema bancário e os bons costumes naquela Espanha de missa e NO-DO(1) dos anos cinquenta, manifestasse semelhante urgência de se casar. Em seu zelo antes do casamento, havia chegado ao extremo de fazer amizade com o novo pároco da igreja de Santa Ana, Dom Jacobo, um sacerdote de Burgos com ideias relaxadas e maneiras de pugilista aposentado a quem tinha contagiado sua paixão desmedida pelo dominó. Fermín disputava com ele partidas históricas no bar Almirall aos domingos depois da missa, e o sacerdote ria com boa vontade quando meu amigo lhe perguntava, entre um cálice e outro de Aromas de Montserrat(2), se sabia com certeza absoluta se as freiras tinham coxas e, tendo-as, se eram tão macias e apetitosas como ele vinha imaginando desde a adolescência.

— O senhor vai acabar excomungado assim — repreendia-o meu pai —. As freiras não são para olhar ou tocar.
— Mas se o "mosén"(3) é quase mais sem-vergonha que eu — protestava Fermín —. Se não fosse pelo uniforme...

Eu andava recordando essa discussão e estava cantarolando ao som do trompete do mestre Armstrong quando ouvi a sineta que havia sobre a porta da livraria emitir o seu tíbio tilintar e levantei a vista esperando encontrar meu pai, que talvez já estivesse de volta de sua missão secreta, ou Fermín pronto para fazer parte do turno da tarde.

— Bom dia — veio uma voz, grave e falhada, da soleira da porta.
_________

(1) Noticiários e Documentários. Eram exibidos obrigatoriamente nos cinemas da Espanha.

(2) Aromas de Montserrat. Um licor.

(3) Título que se dava aos clérigos no antigo Reino de Aragão, hoje parte da Espanha. Lembre-se do país em que o romance é ambientado.

________________________________________________________________________

Desfrutem da leitura e uma boa terça-feira a todos!

5 comentários:

Dudi Kobayashi disse...

oi
eu passei aki para avisar q estou fazendo uma promoção no meu blog, sorteando imãs da saga crepúsculo! da uma passada, a promo é bem simples, seguir publicamente, resisidir no brasil e preencher um formulário com nome de seguidor e e-mail p contato!
o sorteio será no dia 12 de janeiro, qnd meu blog completar um ano! conto com sua participação!
bjs!

TÍTULOS DE LIVROS

Livros e Tsurus disse...

Oba! Continuação de A Sombra do Vento.
Pena que ainda não li o meu, acho que nem vou conseguir ler esse ano ainda kkk
Mas sabe quando você tem certeza de que vai gostar de um livro, mesmo sem ter lido ainda ;)

Beijos
http://livrosetsurus.blogspot.com/

Marina Oliveira disse...

Ops, cheguei atrasada para a série de postagens... Vou dar uma olhada nos posts anteriores. :)
Ana, desculpe a demora para responder, mas que bom que o livro chegou. Deu tudo certinho? Espero que goste da leitura, eu adorei. :)
Beeeijos

Marina Oliveira
http://distribuindosonhos.blogspot.com

Ana Magiero disse...

Ana <õ/
depois venho aqui comentar devidamente no post tá?? Só passei mesmo pra ti avisar que te indiquei alguns selinhos.. passa lá..
http://aninhamagiero.blogspot.com/2011/12/selinhos-e-memes.html

Beijoos

Kassiane Cardoso disse...

Eba! 2º capítulo...vou ler agora!
estou meio atrasada né porque já vi que colocaram o 3º capítulo no blog! =D

Valeu!!

Beijos...