18 fevereiro 2012

O Palácio de Inverno, por John Boyne

Resenha da semana é uma coluna na qual Ana dá sua opinião a respeito do livro lido no momento, com direito a trechos e informações completas sobre a obra e o autor. Postada aos sábados.
Título: O Palácio de Inverno
Título original: The House of Special Purpose
Autor: John Boyne
Tradução de: Denise Bottmann
Editora: Companhia das Letras (cortesia - editora parceira)
Número de páginas: 453
Edição: São Paulo 2010
ISBN: 978-85-359-1710-9
Gênero: Literatura Irlandesa; Ficção; Romance histórico
"Há longos períodos em minha vida que são um mistério para mim, décadas de faina e família, luta e traição, perda e decepção que se misturaram e é quase impossível separá-las, mas em alguns momentos daqueles anos, daqueles primeiros anos, permanecem e ressoam em minha memória. E se tardam como sombras nos corredores escuros de minha mente que vai envelhecendo, mostram-se ainda mais vívidos e notáveis por jamais poder ser esquecidos. Mesmo que logo eu o seja."
John Boyne é um dos autores mais consagrados, mencionados e elogiados do meio literário de uns anos para cá, desde a publicação de seu premiado romance sobre uma amizade que nasce na 2ª Guerra Mundial, O Menino do Pijama Listrado. De minha parte, até então, nada pude dizer a respeito por não ter conhecido ainda sua obra, além de alguns comentários unânimes ouvidos por aí, mas tendo surgido a oportunidade, escolhi um livro de seu acervo não tão popular para enfim me introduzir em sua narrativa. E, genuinamente falando, que escolha espetacular!

Creio que um dos maiores trunfos ao se concluir a leitura de um livro seja a certeza de que você se lembrará dele por muito tempo em sua vida. Uma certeza que por vezes vem acompanhada de um sorriso, noutras de lágrimas, pensamentos perturbadores, reflexões sobre o mundo no qual vivemos e aquele no qual gostaríamos de viver. Uma certeza - que também foi surpresa - sentida em alta escala com O Palácio de Inverno.

Desde o início, com a sinopse estupendamente bem elaborada, não sabemos, ao certo, o que esperar da obra literária em questão. A mesma sinopse que fez com que alguns interessados pelas obras de John Boyne se desinteressassem por esta menos popular, salva o leitor curioso dos prazeres da descoberta da premissa real da obra, seja em seu começo, como alguns declararam, ou ao final, embargado de emoções.

Em poucas palavras, no pontapé inicial sabe-se apenas que nestas 453 páginas reside a história de Geórgui Jachmenev, em 1915, um jovem russo extremamente pobre, um camponês que, contra sua verdadeira intenção, conseguiu impedir um atentado por parte de seu melhor amigo à vida do grão-duque Nicolau Nicolaievitch, tendo tomado um tiro no lugar deste, um ato involuntário considerado heroico que o tornou digno da confiança da família real russa e, nomeado pelo próprio czar Nicolau II, guarda-costas de Alexei Romanov, sucessor de seu pai no trono. Paralelamente a essa parte da narrativa, que é de cunho psicológico, temos os fatos da vida de Geórgui em 1981, agora um cidadão britânico e funcionário aposentado em uma biblioteca enquanto ele vela pela saúde de sua esposa, paciente terminal de um câncer que se alastrou e tira sua vida aos poucos.

A genialidade da narrativa de Boyne, já empregada em outras obras conhecidas e muito bem sucedida em O Palácio de Inverno fica por conta do encontro dos anos, que ocorre no final. Enquanto o jovem Geórgui de 1915 avança no tempo, o idoso de 1981 retrocede para que alcancem um ao outro em 1918, ápice da Revolução Bolchevique. Além disso, a escrita do autor tem grande eloquência, capaz de falar por si própria pela voz do protagonista, um homem cheio de lembranças e de um passado a ser revelado. O autor mostra-se irreverente todo o tempo, escolhendo as palavras mais adequadas à situação e tornando o que deveria ser um romance histórico enfadonho, um livro admirável, rico em lirismo e delicadeza, feito para ser devorado, sentido e lembrado tanto quanto possível.

Até certo ponto, a obra fictícia é fiel à realidade, à qual é acrescida a história de Geórgui Jachmenev. Aqueles que tiverem conhecimento do contexto histórico ou até mesmo se interessarem a ponto de pesquisar a respeito notarão que, de fato, a família real russa, os Romanov, é retratada como existiu: o czar Nicolau II, a czarina Alexandra, o czáriche Alexei e as grã-duquesas Tatiana, Olga, Maria e Anastácia, que tem papel de suma importância no livro e é protagonista em diversos filmes e histórias por seu suposto desaparecimento, como na própria famosíssima animação da Disney, Anastácia.

Revelar mais detalhes a respeito do contexto em torno do qual ronda a premissa deste incrível livro seria uma lástima para os leitores desta resenha que eventualmente se interessarem. Temos aqui, afinal, não apenas uma boa temática, mas uma narrativa envolvente, que conta com personagens tão extremamente humanos, cheios de qualidades e defeitos. O próprio Geórgui, por exemplo, cativa desde o início, e também erra, não sem certa vergonha de suas atitudes e arrependimentos de seus impulsos da juventude. Contudo aprende a viver, a sobreviver e a dar novos rumos à sua vida, sem nunca deixar de lado, entretanto, sua maior promessa, seu sentimento mais forte e belo.

Ao contrário do que vemos em filmes como A Duquesa, por exemplo, ou em obras que retratem a Revolução Francesa, aqui a corte imperial russa não é denegrida, mostrada apenas com seus erros e falhas à frente do povo. Especialmente quanto ao czar Nicolau, vemos um homem real, austero e também frágil, que continua a viver seus luxos monárquicos, porém toma partido de seu exército no momento mais crítico da Revolução Russa para dar força a seus soldados. A família real não é vista com aqueles constantes olhares desaprovadores em meio à libertinagem, à devassidade e à frivolidade, mas também sob o ponto de vista que realça a união e a força exigidas por um governante, um imperador, rei, czar.

Acima de um romance histórico, repleto de conhecimentos a respeito de um momento não apenas vivido pela Rússia, mas por todo o mundo no período entre-guerras, O Palácio de Inverno mostra a força dos sentimentos que perseveram na pobreza das aldeias, na riqueza dos palácios e na tristeza do exílio. Mostra o quão dura a vida pode ser, o quanto um sobrevivente luta para resistir num período de total turbulência e mais que tudo, o valor incalculável de um grande amor.
[...]sozinhos, sobre o gelo, de mãos dadas, dançando em nossos ritmos próprios, enquanto o sol rubro se punha e as sombras desciam, seus pais e irmãos nos observando de longe, sem saber de nossa paixão, desconhecendo nosso romance. Dançando juntos, o par em harmonia perfeita, desejando que aquele momento nunca se acabasse."
Avaliação Geral: 
Nota 5 de 5 (Ótimo)

Um bom sábado a todos,

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