07 maio 2012

Entrevistando a autora de "Os Gêmeos", Pauline Alphen

Pauline Alphen, autora de "Os Gêmeos"
Há algum tempo atrás aqui no blog, disponibilizei uma resenha de Os Gêmeos, publicado pela Companhia das Letras no Brasil, da autora Pauline Alphen, nossa conterrânea que vive há um bom tempo na França, motivo para o mesmo ter sido publicado de antemão lá, sob o titulo de Les Éveilleurs.

O livro, uma ficção juvenil, conta a história de dois irmãos gêmeos, Jad e Claris: ele, um menino introspectivo e totalmente ligado aos pensamentos, debilitado por uma doença no coração, ela, uma mocinha cheia de vida e de ímpetos de rebeldia, pronta para desbravar o mundo. Juntamente a seu pai, Eben, melancólico pelo sumiço de anos da mãe, Sierra, e dos amigos do castelo, vivem em uma aldeia chamada Salicanda, num tempo à frente do nosso em que o mundo tomou outros rumos e, em vez de avançar, retrocedeu pelas mãos de um líder poderoso que aboliu as tecnologias e ocultou todo o conhecimento dos novos homens a respeito de seu passado. Considerado por alguns como uma distopia, Os Gêmeos é o volume introdutório da série As Crônicas de Salicanda e apresenta ao leitor o universo muito criativo criado por Pauline Alphen no qual Claris e Jad, ao lado de Ugh, Blaise, Chandra, viverão grandes jornadas em busca de respostas pelas lacunas do passado.

A convite da Companhia das Letras, tive a oportunidade de entrevistar a autora com 10 perguntas diversificadas não apenas sobre seu livro e os planos para a continuação, porém também sobre literatura e suas impressões do perfil do leitor brasileiro. Vamos conferir?
"Eu leio para aprender, para me distrair, para lembrar, para esquecer, para viajar, para dormir, para acordar, para chorar, para sonhar, para ter medo, para me consolar, para sentir meu coração bater, minhas pernas tremer, meu cérebro funcionar…"
Ana: Pauline, esta pergunta é bem convencional, mas todo o tempo, enquanto lia "Os Gêmeos", ficava me perguntando qual era a origem de tanta criatividade para reinventar o mundo moderno e transformá-lo em algo supostamente retrógrado, com valores muito diferentes dos nossos. De onde surgiu a ideia inicial para a criação de "As Crônicas de Salicanda”
Pauline: Vamos dessacralizar essa história. Que tal imaginar que as idéias vêm de uma fonte inesgotável acessível a todos, onde basta jogar o anzol para pescá-las?
Mas idéias só não fazem um livro. É preciso trabalho, tempo. Muito trabalho e muito tempo. Desejo. Perseverança. Teimosia. Dúvidas. Humildade. Ambição. E um série de outros ingredientes contraditórios e complementares.
A criatividade não é um dom recebido de uma fada madrinha no berço. É como um músculo: todo mundo têm, alguns exercitam mais e outros menos.
O ponto de partida das Crônicas foi uma imagem, uma cena. A segunda cena do livro: Eben olhando pela janela da Torre dos livros Claris atravessar correndo o pátio para encontrar o irmão. Nessa imagem, já estavam alguns dos personagens principais e suas personalidades. Eben melancólico, Claris ativa, Jad receptivo. Uma primeira imagem, um fio para desenrolar o novelo…

"Os Gêmeos", publicado no Brasil pela Cia. das Letras
Ana: Atualmente, entre os lançamentos juvenis no ramo literário, vem surgindo um gênero distópico, presente em livros como “Jogos Vorazes” e “Destino”, por exemplo. Apesar de ter ideais diferentes, “Os Gêmeos” também é considerado por alguns como parte integrante da corrente. O que é uma distopia a seu ver?
Pauline: Uma palavra recente para designar o que já existia? Huxley, Bradbury, Orwell escreviam distopias que, na época, eram chamadas de ficções. Não sei por que cortar a ficção em pedaçinhos : científica, fantasy, distopia… "Fiçção" é um nome tão bom. Para mim, ele basta.
A distopia geralmente se define em oposição a utopia. Isso é chato… Gosto de utopias…

Ana: Uma das primeiras coisas em que reparei ao longo de sua narrativa foi a descrição muito bem feita das personagens, responsável por aproximar os leitores de Jad, Claris, Ugh, Chandra, Blaise e de todas os outras. Como autora, entretanto, é natural que você desenvolva uma afeição especial por alguma delas. Qual seria sua personagem favorita?
Pauline: Juro que não posso responder a essa pergunta dando um único nome. Tenho por cada um um carinho diferente, uma relação característica. Sei que parece resposta de mãe que diz que não prefere nenhum dos filhos… Mas é isso mesmo. Fazer o quê?
Tá bom… Prefiro Eben por causa de sua melancolia, Bahir por sua luminosidade, Maya por sua densidade, Chandra por sua generosidade, Blaise por sua agilidade mental, Sierra por sua ausência, Claris porque cresce a cada golpe e não desiste, Jad porque viaja entre os mundos…

"A criatividade não é um dom recebido de uma fada madrinha no berço. É como um músculo: todo mundo têm, alguns exercitam mais e outros menos."
Ana: Entre Claris e Ugh notamos facilmente um indício de amor infantil. Podemos esperar algo mais deles nos próximos volumes?
Pauline: Podemos… :-)

Ana: Em Salicanda e nos outros vilarejos que conhecemos neste primeiro volume, é clara a erudição das personagens e o culto literário, que fornece a eles todo o conhecimento possível sobre tempos antigos. Há nisso um desejo real, de que as pessoas leiam e se interessem mais pela Literatura?
Pauline: Entrar, mergulhar, descobrir um livro é uma aventura, uma felicidade, uma surpresa, um susto. Pode ser tudo isso ao mesmo tempo num objeto modesto que se pode carregar no bolso. Um livro é a possibilidade de um encontro. Um encontro pode mudar sua vida. Nossa, parece frase de livro de auto-ajuda ! Eu leio para aprender, para me distrair, para lembrar, para esquecer, para viajar, para dormir, para acordar, para chorar, para sonhar, para ter medo, para me consolar, para sentir meu coração bater, minhas pernas tremer, meu cérebro funcionar…

Ana: Estou muito ansiosa para que Sierra entre ativamente na história de uma vez por todas. Posso esperar por essa presença na continuação de “Os Gêmeos”?
Pauline: Pode. Mas vai demorar um pouquinho…
"Crônicas de Salicanda" propõe uma leitura onde se pode respirar, descansar, aninhar-se na história, deixar-se embalar… É melhor não ter pressa. É como viajar: sem pressa é melhor.

Ana: A propósito, já há um título previsto para o segundo volume de “As Crônicas de Salicanda”?
Pauline: Pois é, esse título vai ser complicado… Em francês, o segundo volume intitula-se "Ailleurs". "Alhures" em português. Pessoalmente, acho "alhures" lindo apesar de pouco usado em português. No entanto, seria apropriado porque no segundo volume, os personagens estão realmente alhures… O que acham de "Alhures"? Assusta?

Ana: Li na sua breve biografia impressa no livro e no site da Companhia das Letras que mora na França há um bom tempo. Em sua opinião, há alguma diferença entre o leitor francês e o leitor brasileiro? Talvez quanto à interpretação do livro, à curiosidade e ao interesse pela própria Literatura?
Pauline: Por enquanto, tenho mais contato com os leitores franceses. Um contato muito legal e regular através dos encontros nas feiras, nos colégios e também no blog. Como o primeiro volume foi publicado na França em 2009, já são três anos de troca e conversas quando o livro ainda não tem seis meses de vida no Brasil. Espero sinceramente ter essa oportunidade com os leitores brasileiros também. Então aqui vai o endereço do blog, escrevam ! !
pauline.alphen.over-blog.fr

Ana: Dizem que todo autor, antes de ser um autor, deve ser um assíduo leitor. Quais são seus escritores favoritos, nos quais você se baseia para criar suas obras?
Pauline: Eu não sei se "deve". Mas no meu caso, é assim. Admiro muitos escritores que certamente construíram meu imaginário e provavelmente me influenciaram, apesar de eu não saber dizer como. Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Isabel Allende, René Barjavel, J.R.R. Tolkien, Guy Gavriel Kay… A lista é longa !

Ana: Por fim, qual é o seu maior sonho, como autora?
Pauline: Que pergunta boa ! E difícil…
Poder continuar a escrever o que quero do jeito que quero, saber que meus livros chegam nas mãos dos leitores e são lidos, conseguir viver de escrever e água fresca… Seria ótimo !



Meus agradecimentos à Pauline, por toda a atenção e as respostas. Desejo muito sorte à autora, que os livros apenas continuem contribuindo para um caminho brilhante de sucesso e felicidade.

Uma boa segunda-feira a todos!


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