"Com o passar dos meses, o dr. Sanahuja acabou se afeiçoando a Martín e um dia, dividindo as guimbas de cigarro que tinham, contou a Fermín tudo o que sabia sobre a história daquele homem, a quem alguns, zombando de suas loucuras e de sua condição de maluco oficial da prisão, resolveram dar o apelido de 'O Prisioneiro do Céu'."
p. 77
Este não é o meu primeiro encontro com uma obra de Zafón e, com certo conhecimento adquirido nas duas leituras antecessoras, posso afirmar plenamente que o escritor apaixonado por Barcelona mais uma vez nos embala com sua narrativa cheia de encanto, mistério e de reencontro, para os seus já conhecidos, de personagens vistas em O Jogo do Anjo e A Sombra do Vento, além de, até mesmo, um breve trecho de intertextualidade com Marina, um de seus livros de cunho mais juvenil.
Estamos em 1957, na Barcelona de sempre. Daniel Sempere (um dos protagonistas dos livros antecessores, quando moço) é agora um jovem pai de família que tenta, ao lado do amigo Fermín, manter os negócios da livraria Sempere pelo sustento e pela tradição, perdida aos poucos na modernidade. Com o surgimento de uma nova oportunidade de lucro no Natal, entretanto, surge uma figura sombria no recinto que inquieta a todos e parece ter um peculiar interesse (nada literário, diga-se de passagem) por um exemplar razoavelmente caro de O Conde de Monte Cristo. Com uma mensagem misteriosa, ele deixa o livro com Daniel e pede que o entregue a Fermín Romero Torres, aquele que voltou dos mortos, o melhor amigo do rapaz. Através deste simples recado, os inseparáveis Daniel e Fermín convergem para um mundo de lembranças que se confundem com o presente e prometem abalar as vidas de ambos.
"Sua vida parecia encaminhada para aquela existência cinzenta a amarga dos medíocres a quem Deus, em sua infinita crueldade, abençoou com os delírios da grandeza e a arrogância dos Titãs."
p.68
Com menos páginas que A Sombra do Vento ou O Jogo do Anjo, O Prisioneiro do Céu traz menos mistérios e reviravoltas que os que lhe antecedem e, apesar de se passar no futuro, serve muitíssimo bem como um elo entre as narrativas dos dois, trazendo-nos conhecimentos inimagináveis especialmente sobre uma das personagens mais importantes e queridas de todo seu elenco literário, o Fermín de sempre, com seu humor aqui um pouco mais nebuloso por conta dos problemas que prometem voltar do passado. E a admiração daqueles que já o conhecem só haverá de aumentar, tamanhas as desventuras pelas quais passou em torno de sua vida em busca de dignidade e sobrevivência, acima de tudo.
Temos um Daniel mais adulto e carrancudo, habituado aos problemas da vida, mas ainda apaixonado por Bea e encantado com o pequeno filho, Júlian. E ainda que este não tenha sido o protagonista da vez, uma face mais obscura de si mesmo deixou claro que Zafón pretende dar continuidade à história de vida do Sempere filho, intrigado acerca daquilo que pode ter acontecido à sua finada mãe, uma sombra evocada na metade do caminho, ainda mais viva com o surgimento de uma nova personagem que promete abalar as estruturas das novelas barcelonesas.
Para aqueles que nada tiverem lido anteriormente de Carlos Ruiz Zafón, O Prisioneiro do Céu pode ser uma boa pedida pois, ainda que conte com a presença de muitas personagens já antes vistas, não tem em si a obrigatoriedade de estar por dentro de todos os fatos do passado, uma vez que de maneira nostálgica, eles estão fortemente presentes aqui. Ainda assim, para aqueles que preferem ser conhecedores de todos os detalhes para melhor apreciação da obra, indico que iniciem sua trajetória literária por O Jogo do Anjo (que ainda não li, diga-se de passagem), seguido de A Sombra do Vento (o melhor, segundo a grande maioria; fantástico, posso afirmar) para enfim saudar O Prisioneiro do Céu.
Com uma atmosfera envolvente, uma narrativa cheia de cadência e graciosidade, envolta por um mundo de desilusões, reminiscências e atrocidades da 2ª Grande Guerra vistas pelos espanhóis, além de menções a livros, escritores lunáticos, segredos e uma belíssima amizade, Zafón mostra que, mais uma vez, soube ser maestro de sua obra sem nenhum elemento em especial, mas com suas personagens memoráveis e humanas, sempre repletas de histórias a contar. E para aqueles saudosos de finais de livro, ao que tudo indica, há mais um vindo por aí.
"- Às vezes a pessoa se cansa de fugir - disse Fermín. - O mundo é muito pequeno quando não se tem aonde ir."
p. 80
Informações técnicas
Título: O Prisioneiro do Céu
Título original: El Prisionero del Cielo
Autor: Carlos Ruiz Zafón
Tradução de: Eliana Aguiar
Editora: Suma de Letras (cortesia)
Número de páginas: 246
ISBN: 978-85-8105-073-7
Gênero: Romance espanhol
Carlos Ruiz Zafón nasceu em 25 de setembro de 1964, em Barcelona, cenário de seus romances A Sombra do Vento e O Jogo do Anjo, dos quais O Prisioneiro do Céu é uma continuação. Desde 1993, ele vive em Los Angeles, onde trabalha como roteirista de cinema e televisão. Nos anos 1990, escreveu a trilogia infanto-juvenil composta por O Príncipe da Névoa (1993), O Palácio da Meia-Noite (1994) e As Luzes de Setembro (1995), além de Marina (1999). Lançado originalmente em 2001, A Sombra do Vento vendeu mais de dez milhões de exemplares em todo o mundo. Seu livro mais recente é O Prisioneiro do Céu, de 2012.
Um bom sábado a todos,
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