11 agosto 2012

Serena, de Ian McEwan

"Ele era o meu projeto, o meu caso, a minha missão. A arte dele, o meu trabalho e a nossa história eram uma só coisa. Se ele fracassasse, eu fracassava. Simples, então - nós íamos triunfar juntos."p. 239
Ao contrário de alguns resenhistas que se mostram reticentes a tal prática, tenho um curioso feitio de ler opiniões prévias de lançamentos que estão em minhas listas de leituras, especialmente para poder ter uma imersão maior no que eles abordarão e até qual ponto poderão ou não me surpreender. Com Serena, o resultado foi bastante positivo. A crítica era favorável, o nome de Ian McEwan já carregava sua reputação por Reparação e a história da espiã engajada no mundo literário só me deixou mais e mais curiosa a cada página de uma narrativa consistente, sem muitos floreios, mas elegante à sua maneira.

 Serena Frome (pronuncia-se Frum) é uma jovem inglesa com a qual a vida, em muitos quesitos, foi generosa. A filha mais bela, nascida numa família de boas condições financeiras e de lugar na sociedade; criou-se em colégios regionais de forte educação que acabaram gerando em sua mãe uma ambição de que a moça se tornasse livre e aspirasse a grandes empreitadas na carreira profissional. Fosse por ela mesma, a escolha teria sido cursar Letras numa universidade qualquer perto de casa. Por seu raciocínio lógico e incrível capacidade de leitura dinâmica, contudo, viu-se diante da possibilidade de optar por Matemática em Cambridge, o que acabou, no futuro, não se mostrando como uma escolha tão perfeita, afinal, mas que lhe conduziu até o Serviço Secreto Britânico e, especialmente, até os caminhos de Jeremy, Tony, Max e Tom.

Até aí, todo o livro é uma grande incógnita e o leitor deverá ter certa perspicácia para enfim compreender a genialidade por detrás da qual se esconde a obra de Ian McEwan. A começar pelo quesito da espionagem, que é o tema principal da trama, o qual, no entanto se faz muito pouco presente ao início, ao menos não daquela maneira tão conhecida por nós. Dotado de um grande trabalho de pesquisa, o autor faz menção a diversos segmentos de espiões na Guerra Fria, como a KGB da União Soviética e a famosa CIA estadunidense, mas confesso que custei a compreender qual era o ofício de Serena no meio daquele emaranhado de informações e de tardes datilografando para homens poderosos no setor M15. Tudo isso até surgir a proposta de a protagonista se envolver num trabalho muito secreto em que uma de suas grandes paixões está envolvida: a literatura. Não apenas a arte das letras, todavia também o quanto a ficção pode estar atrelada à realidade num texto metalinguístico em que autor e leitor invadem a vida um do outro, fundem-se em despudor e revelam-se, dos amantes, os mais íntimos.

Repentinamente responsável  por recrutar escritores de textos eloquentes e opiniões favoráveis a um capitalismo democrático para serem financiados, em sigilo, pelo Serviço Secreto Britânico numa revista de certo renome cultural, a protagonista se vê diante da possibilidade de conhecer a pessoa que se esconde em contos incríveis nos quais predominam uma ambiguidade genial e de sensibilidade ímpar. Tom Healy prova-se para ela como não somente um grande autor, mas um homem que fala ao seu espírito inquieto e perturba a todo o tempo, causando o ciúme doentio de seu companheiro de trabalho, Max, e remetendo-lhe ao caso vivido com o professor universitário, Tony.

Apesar do número consideravelmente alto de páginas (382) para aqueles não tão habituados ao ato da leitura, é quase impossível sentir-se entediado pela narrativa de Ian McEwan que, de tão envolvido em contar aos leitores a história de sua Serena, acaba criando o ego de uma heroína envolvente e igualmente cheia de envolvimentos que se escondem por detrás do mistério de sua vida. Embora seja uma ideia ousada, quase pude sentir que cada um dos homens presentes em Serena, especialmente Tom, eram reflexos e fragmentos de um apenas, aquele que sempre teria o coração por completo, uma mistura de suas personalidades caricatas tão bem compostas pelo autor em que se misturam orelhas salientes, corpanzis magros e inteligências além do comum.

Trata-se aqui, principalmente, de um livro que deve ser despido por quem o lê, e minuciosamente descoberto, desfrutado. Acima de uma história de serviço secreto, espionagem e o mundo literário, quem mais alto fala em Serena é a paixão. E não vá pensando que ela nos prive de mistérios. Muito pelo contrário, pois os maiores, afinal, estão ocultos nas personalidades destes homens que amaram e se devotaram ao amor da astuta jovem matemática, tão perceptiva para sua leitura dinâmica, mas tão distraída perante uma história em que a protagonista é ela mesma.


Informações técnicas
Título: Serena
Título original: Sweet Tooth 
Autor: Ian McEwan
Tradução de: Caetano W. Galindo
Editora: Companhia das Letras (cortesia)
Número de páginas: 382
ISBN: 978-85-359-2121-2
Gênero:  Literatura inglesa; ficção

Nascido em Aldershot em 1948, o inglês Ian McEwan é um dos ficcionistas mais importantes de sua geração. Seus livros já lhe renderam uma série de prêmios literários, incluindo o prestigiado Booker Prize e o Whitbread Award.

Um bom sábado a todos,




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