26 setembro 2012

A Idade dos Milagres, de Karen Thompson Walker

"Mais tarde, eu pensaria naqueles primeiros dias como o momento em que, como espécie, nos demos conta de que temíamos as coisas erradas: o buraco na camada de ozônio, o derretimento das calotas polares, o vírus do oeste do Nilo, a gripe suína e as abelhas assassinas. Mas acho que aquilo que preocupa mais é o que acontece, no final das contas. As catástrofes reais são sempre diferentes - inimagináveis, desconhecidas, impossíveis de prever."
p. 28
Numa época literária em que as distopias repletas de ação vêm sendo publicadas a todo o vapor, era de se esperar que A Idade dos Milagres, com seu subtítulo que promete futurismos ao questionar "E se os dias ficassem mais longos?", seguisse esses mesmos padrões. E até um certo ponto ele segue mesmo, no próprio enredo em que a Terra, mais uma vez, está um verdadeiro caos. Todavia, não tarde até que a autora rume em direção a uma estrada diferente, através de um olhar mais atento e, principalmente, uma abordagem reflexiva que há de tocar a consciência do leitor mais alienado.

Julia é uma garota que vive a terrível fase de transição entre a infância e a adolescência, quando, de uma hora para a outra, crescemos dezenas de centímetros e acompanhamos as primeiras mudanças radicais em nossos corpos e comportamentos. Muito tímida, tem em Hanna, uma mocinha mórmon, bela e encantadora, sua melhor amiga e confidente. Mas, ainda que não vivencie momentos emocionantes ou sequer seja convidada para festas escolares, leva uma vida tranquila na Califórnia com seu pai e sua mãe, até o momento em que, após um dia no qual o sol custou a amanhecer, os noticiários de todo o mundo alertam que o movimento de rotação da Terra está se tornando mais lento e os dias, em compensação, estendendo-se.

Logo ao início, as pessoas de todo o mundo ficam apavoradas com a notícia e deixam suas casas em grupos enormes, migrando para quaisquer lugares na Terra, acreditando que poderão fugir de um acontecimento que envolve todo o planeta ao se isolarem numa montanha. Os religiosos, conforme seus dogmas, espalham nas igrejas, sinagogas, mesquitas e templos que é chegado o fim do mundo e o momento de seus salvadores voltarem à vida terrena. Mais caravanas passam a seguir juntas rumo a lugares sagrados com a esperança de obterem o perdão de suas almas por um acontecimento tão devastador. Enquanto isso, simultaneamente, a Terra diminui mais e mais a sua velocidade, afetando a gravidade e o seu próprio campo magnético. Os principais governos mundiais instituem que, apesar de os dias serem cada vez mais longos, os órgãos governamentais, escolas e comércios manterão as usuais 24 horas. Logo perde-se a noção de noite e dia. Famílias começam a estocar alimentos em suas casas temendo um período de longa escassez. Saqueadores invadem moradias e estabelecimentos. A criminalidade aumenta de maneira assustadora. Novas síndromes relacionadas à desaceleração terrena surgem. Os pássaros têm dificuldade de controlar seus voos numa gravidade que varia com o tempo e passam a cair por terra em bandos, mortos. Julia está cada vez mais sozinha e sua única amiga, de um dia para o outro, muda para Utah com um grupo de mórmons em busca de esperanças.

Com uma temática que inspira a reflexão, Karen Thompson Walker redigiu um livro de extrema sensibilidade, dono uma narração de palavras ritmadas e descrições caóticas daquilo que a Terra poderia vir a ser após anos e anos de devastação e uma mudança em seu movimento. Sem fazer uso de um governo tirano que retrocede em tempos modernos, como vemos em muitas das distopias por aí, os elementos humanos continuam a ser os mesmos, tanto quanto seus órgãos de governo. E é exatamente por isso que a noção da realidade de A Idade dos Milagres é muito forte, até incômoda, eu ousaria dizer, fazendo-nos perceber a importância de elementos que nos passam indiferentes no cotidiano, como ter um jardim no quintal de casa, ouvir o canto dos pássaros à alvorada, tomar sol em dias de verão e sair de casa sem o medo de ter a dispensa saqueada.

Como protagonista e narradora, uma Julia mais velha nos aturde com seu olhar perspicaz sobre o passado, remetendo aos seus onze anos, quando as mudanças começaram a se operar tanto no planeta quanto em sua vida, criando até mesmo uma analogia de que aquele fato teria originado este. Em meio ao caos, ela sente as primeiras decepções e alegrias do amor juvenil, a tristeza ao ver o laço familiar ruir sob a sombra da traição, o afastamento da amiga e a descoberta de novos valores, uma restauração daquilo que realmente ainda vale a pena em meio a tempos derradeiros.

Sem a promessa de eventos repletos de ação ou da imponência surreal dos distópicos, A Idade dos Milagres, através de uma narrativa até agoniante, gera em seu leitor um desejo de repensar muitos atos e refletir sobre os que ainda estão por vir. Com palavras brandas e verdades duras, acima de tudo, embora seja juvenil, é recomendado para todas as idades, tamanha a delicadeza contida na produção de sua obra, livro de estreia da autora que, ao que parece, ainda tem muito a oferecer ao cenário da Literatura mundial.


Informações técnicas
Título: A Idade dos Milagres
Título original: The Age of Miracles
Autora: Karen Thompson Walker 
Tradução de: Christian Schwartz
Editora: Paralela (Exemplar cedido em parceria com a Cia. das Letras)
Número de páginas: 208
ISBN: 978-87-65530-08-8
Gênero: Ficção norte-americana

Karen Thompson Walker nasceu e cresceu em San Diego, na Califórnia. Estudou língua e literatura inglesa e escrita criativa na UCLA, e fez seu mestrado na Universidade Columbia. Trabalhou como jornalista e como editora da Simon & Schuster antes de se dedicar integralmente à escrita.

Uma boa noite a todos. Hoje despeço-me um ano mais velha, soprando minha 17ª velinha =)

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