13 setembro 2012

Eu e a madrugada


Ser madrugador tem seu charme e, nesse caso, não me refiro ao povo alegre que se embebeda e movimenta seu corpo de maneira frenética ao som dos ritmos eletrônicos que ecoam nas casas noturnas, envoltas em negrume. Ser madrugador é algo mais artístico em sua essência, um estilo de vida de gente com criatividade insone e estranhas manias acalentadas pelo silêncio e pelo vazio.

A manhã é serena, clara, saudável. A tarde passa rapidamente e tem aquela agitação febril do cotidiano em que todos estão se movimentando, trabalhando, produzindo. A noite já traz o seu quê de sensualidade, um ritmo mais lento, um vinho tinto no inverno, um céu estrelado. Mas é na madrugada em que reside o fetiche da coisa, tamanha a sua misticidade nas névoas escuras; graciosos os sons que a preenchem; curiosos os cidadãos que nela e dela vivem.

O madrugador é aquele cara falido, que tem o emprego que menos desejou na vida, opondo-se aos sonhos grandiosos na cabeça. Pode ser também aquele seu vizinho meio bicho grilo, que acorda ao meio-dia e fuma um cigarro de aroma estranho numa tarde de segunda-feira. Não façamos má vista dos perfis, todavia. O madrugador às vezes é só um cineasta em crise existencial, com a obra da sua vida fervilhando na cabeça e uma dúvida enorme sobre com qual flash deve iniciá-la. O cara vai ganhar o Oscar, confie em mim. 

Gente da madrugada também gosta desse período pela programação da televisão, a qual, automaticamente, passa do chulo e corriqueiro ao cult despretensioso e artístico. Tem moça que acha que é o período ideal para meditação: tomar aquele banho quente de uma hora, bebericar um chá de camomila (com a fumaça saindo lentamente) e ficar pensando em como será pedida em casamento pelo atual namorado. Besteira... Na outra semana há de conhecer o amor de toda a vida. Por uns sete anos, só. 

Quem madruga, escreve. Quem madruga, lê. Quem madruga, reflete. Quem madruga, logo não tem sono. Quem madruga, bebe muito café. Ou talvez já tenha reservas especiais de cafeína em seu organismo. 

Gosto de imaginar os madrugadores também como aqueles senhores viúvos que sentam em suas poltronas de balanço e tomam um vinho do Porto enquanto Mozart rola solto, ao fundo. Nostálgicos, lembram dos momentos apaixonados vividos ao lado das esposas quando jovens. Aquela fuga às três horas da manhã para uma primeira noite de amor desajeitada, virgem, enluarada, linda e linda. Porque madrugada também é, afinal, refúgio para os namorados. Em suas sombras, os casais escondem-se das limitações do dia e permitem-se ao deleite de viverem aquele sentimento tão tórrido e angelical com a lua, em segredo.

A gente que é da madrugada costuma se achar intelectual por isso. Fácil de reconhecer esse povo insone, ansioso, que gesticula demais ao falar, tem cansaço de atividade física e os olhos arroxeados no contorno -maneira eufêmica de se dizer, aliás, que tem olheiras e sempre terá. A gente diz que dorme pouco porque o dia tem só 24 horas, veja você. Verdade seja dita, no entanto, que ainda que o dia tivesse 48 horas e nós só utilizássemos 20 dessas, ainda arrumaríamos uma maneira de madrugar. Madrugar é uma arte.

Quando nos juntamos, eu e a madrugada, não tem dupla mais produtiva. O problema mesmo é o sono, amigo teimoso e ciumento, que cisma em se intrometer na nossa relação. Daí lá pra umas 3 horas, quando o texto já está para lá de bom, a introdução do filme impecável, o casal vivendo o ponto alto de seu amor, a cafeína trabalhando em níveis excelentes... Os olhos começam a pregar e o corpo, num molejo meio desajeitado, deita-se para mais um dia de eternas madrugadas.


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