10 outubro 2012

Você empresta seus livros?


Na semana passada, não sei se por coincidência ou por puro momento de devaneio, emprestei doze de meus livros queridos a algumas amigas. Todos de uma vez só. Depois fiquei a refletir sobre a impulsividade do ato, aquele momento silencioso em que olhei para o alto, onde ficam minhas prateleiras, e encontrei várias lacunas nas quais costumavam estar as histórias que adoro, as que prefiro ou das quais talvez nem goste tanto assim. 

É, eu definitivamente empresto meus livros. E apesar de sentir enormemente a ausência de cada um deles, com a lombada de um se destacando da dos outros por algum motivo especial, tenho certeza de que repassá-los é uma ação muito válida, uma maneira de compartilhar um gosto pessoal e torná-lo de todos. Leitura universal, acessível, democratizada. Uma leitura que acolhe, reparte e une ao redor de uma ideia. 

O grande problema de nós leitores assíduos, contudo, é essa afeição confeitada de ciúmes ingênuos pelo objeto de posse. Levamos tanto tempo para comprar nossos livros e organizá-los nas estantes para que possam constituir uma "biblioteca" que, depois, simplesmente, esquecemo-nos do principal objetivo dessa instituição, sem as aspas: a de passar a leitura adiante.

Somos leitores e leitoras cheios de tiques e esmero. Não rabisque meus livros e evite post-its grudentos, para que as páginas não colem. Sobre as páginas, a propósito, tente não fazer dobras nas pontas. Quando tiver parado de ler, trate de usar um marcador avulso; os da orelha, jamais. Comendo perto do meu livro? O cidadão chega a ter taquicardia... Bebendo alguma coisa, então... Pior ainda se for café. Já pensou que feio um livro querido, novo, com marcas manchadas de café? Não leve à praia que a areia suja demais... No campo pode? Desde que ele não fique diretamente no mato... Ah, acho melhor não. 

- Ana, posso pegar este livro emprestado?
- Semana que vem pode ser? Hoje não dá, preciso ler esse daí para a editora parceira...
Há um bom tempo que não dou uma desculpa dessas, na verdade. A consciência sobre o valor dos livros - ou a ausência de, chame como quiser - chegou para mim recentemente, quando notei o quão gratificante poderia ser compartilhar histórias interessantes com pessoas cuidadosas que, de alguma forma, compreendem, por completo ou majoritariamente, o significado de um deles para seu primeiro leitor e dono.Físico, pelo menos, pois não há quem detenha a essência de um livro que não seja seu autor. Algumas vezes nem ele próprio... 

Emprestar livros vai muito além do sentido material ou do tempo tão severamente cronometrado por quem empresta. Dividindo as descobertas de uma obra, estamos a torná-la maior e mais querida. Lendo as narrações dos protagonistas, ampliamos o som de suas vozes e nos convertemos em heróis e heroínas daqueles romances, cada leitor de sua própria maneira, criando várias narrativas numa só. Há aqui a chance de várias personagens serem amadas simultaneamente como favoritas, atribuindo um valor incalculável ao elenco da obra do autor que, também, à sua maneira, passa a ser amigo de todos nós.

Ao passar uma obra literária adiante, deixamos de relegá-la aos cupins e ao pó que insistem em habitá-la, no alto das nossas estantes; possibilitamos o nascimento de leitores em potencial, ávidos por essa
 Literatura tão carente no Brasil; conquistamos companheiros com os quais discutir sobre aqueles livros incríveis que ninguém mais na face da Terra parece ter lido; iniciamos romances numa carta deixada secretamente no miolo... E continuamos a ver aquelas tristes lacunas vazias às quais, algum dia, mesmo após um ano de sofrimento ou 500 pedidos de devolução, os livros haverão de voltar.

Para Carlos Ruiz Zafón, "Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos sob suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece." Pois para mim também...


0 comentários: