12 outubro 2012

Capitães da Areia, de Jorge Amado

Completando-se neste ano o centenário de Jorge Amado, toda a literatura e as artes em geral parecem ter se voltado à obra deixada por este ilustre filho da Bahia. Detentora dos direitos dos livros do autor, a Companhia das Letras deu início ao ano de comemorações amadianas com o relançamento da coleção literária, composta por lindas edições de aniversário. A Rede Globo, por sua vez, veio logo atrás e tem exibido desde meados de junho a série Gabriela, baseada no romance Gabriela Cravo e Canela. Difícil mesmo, em meu ano de vestibular, foi não ceder à curiosidade de conhecer um pouco deste escritor que representa uma das principais expressões da Literatura Brasileira. E para tal introdução, selecionei Capitães da Areia, um livro, acima de tudo, visceral.

Sob a lua, num velho trapiche abandonado: a eloquência de Jorge Amado já se faz notável às primeiras páginas. Ao início da obra, o leitor talvez estranhe a presença de vários artigos jornalísticos antes mesmo de que a história em si comece. Estes, contudo, são de suma importância para preludiar cada momento vivido pelas personagens, evidenciando desde já o caráter engajado presente nesta obra de maneira escancarada, denunciando as mazelas da sociedade baiana.


Cena do filme baseado em "Capitães da Areia" | Fonte: De Olho na Banca
Fala-se aqui de uma infância perdida para a dura realidade social dos meninos de rua. Pedro Bala, Sem-Pernas, Professor, Pirulito, Gato, João Grande e dezenas de outros abandonados à própria sorte pela vida formam os Capitães da Areia, um grupo de moleques que vive nas areias do cais de Salvador, num trapiche abandonado para o qual levam tudo que roubam dos ricos da cidade, garantindo a sua sobrevivência de uma maneira cruel e precoce, responsável por lhes trazer à maturidade muito antes de sequer viverem sua infância. Aos 10, 11, 12 anos, já conhecem os segredos do sexo, das drogas e da violência. Pouco sabem, no entanto, como é a vida em família, o quão importante é a educação ou mesmo conhecem o genuíno acalanto materno, o qual tanto lhes faz falta nos momentos em que a solidão paira em suas mentes de maneira obscura, mostrando como estão a vagar pelo mundo em seu desamparo.

Há no estilo do autor qualquer coisa de mágica que me encantou desde o princípio, inserida em cada palavra que, ao narrar uma história tão triste, acrescenta a ela uma beleza ímpar, aquele momento inexplicável em que a prosa e a poesia se fundem e já não se sabe onde começa uma ou a outra. Aos que estiverem reticentes quanto à leitura da obra por uma eventual linguagem complicada, típica de livros clássicos, garanto que terão que arrumar um motivo melhor para não ler Capitães da Areia (e por favor não arrumem). De maneira a aproximar-se da realidade retratada em suas páginas, Jorge Amado assume a voz das crianças que vivem a pobreza em Salvador, empregando abertamente gírias e uma linguagem coloquial de fácil compreensão para o público, à exceção de algumas passagens muito bem elaboradas de sua narração, nada como um complicado José de Alencar, todavia, por exemplo.

Professor e os meninos do trapiche
Pesquisando um pouco a respeito da obra, descobre-se que há nela um forte relato jornalístico da parte do autor que, muitas vezes, ao contrário do que se pensa, baseou-se numa realidade crua para escrever, oscilando entre o fictício e o não-fictício. O livro foi, inclusive - como minha professora de Português nos contou numa aula - queimado em público, tamanha a sua relevância crítica ao se engajar tanto num problema social que a Bahia vive até hoje. A essência do "poeta fingidor" entra mais especificamente na composição das personagens. Ainda que todas pudessem de fato ter existido, há uma particularidade amadiana em cada uma delas, um encantamento que envolve o leitor.

Destacaria facilmente, por exemplo, o líder dos Capitães da Areia, Pedro Bala, sua amabilidade e seu enorme desejo de ser um revolucionário, como o pai o foi. A nós, leitores assíduos, há a figura do Professor como que para representar a esperança de um interesse pelo conhecimento num recinto tão desesperançado. Ainda que também roube e faça todas as outras coisas que os meninos de rua fazem, a personagem encontra seu refúgio, à noite, solitária, nos livros. Sem-Pernas, por sua vez, é a mais triste concretização do ódio de uma camada da sociedade completamente desprovida da perspectiva de futuro. Órfão de família, de amigos e amores, odeia tudo à sua volta. Comoverá facilmente o coração do leitor a menina Dora, mãe, irmã, noiva e esposa dos garotos abandonados do trapiche. E é exatamente por falar tanto ao coração que Jorge Amado não parece estar nos contando as histórias impessoais de meninos de rua, que aparecem todos os dias nos jornais. De uma maneira especial, muito pelo contrário, ele nos fala de seres humanos como nós, seres pelos quais passamos a nutrir um grande carinho, nossos amigos, donos de Salvador.

Com algo em torno de 200 páginas, uma linguagem única no sentindo mais amplo da palavra, narrando e amando a Bahia de todos os pontos de vista possíveis, é fácil compreender, com Capitães da Areia, porque fala-se tanto em Jorge Amado neste centenário em que se comemora um verdadeiro legado para a Literatura Brasileira. Legado este que, sem sombra de dúvidas, vai se imortalizar ao longo dos séculos que ainda estão por vir. 

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