Nunca li algo de Augusto Cury - nem pretendo, para ser honesta -, mas acho interessante que, entre seus títulos, um carregue os curiosos dizeres a seguir, sempre reafirmados pela voz onipresente da sabedoria popular : De gênio e louco todo mundo tem um pouco. O que, afinal, não deixa de ser mentira. E foi sob esse estigma, justamente, que levei adiante a leitura prazerosa de O Lado Bom da Vida, surpreendendo-me com sua simplicidade e sendo cativada de maneira inesperada pelo carisma de Pat Peoples, um digno maluco beleza.
Tendo servido de roteiro para o filme homônimo que está recebendo várias indicações à próxima edição do Oscar, o leitor conhecerá aqui a história de Pat, um ex-professor de história, em tempos de insanidade mental, que acaba de deixar uma clínica psiquiátrica para voltar a viver na casa dos pais, com pouco mais de 30 anos. Como reflexo dos traumas enfrentados no passado, acredita que passou internado por um tempo relativo a meses, enquanto que, na realidade, mais de quatro anos já se decorreram desde o início de seus problemas e de sua separação da adorada esposa, Nikki. Disposto, todavia, a mudar e reconquistá-la, Pat passa a se exercitar de maneira frenética diariamente, correndo mais de 17 quilômetros e intensificando seus treinos de musculação, mas, principalmente, tomando seus remédios e aprendendo a não perder a paciência com as pessoas, deixando qualquer impulso violento para trás em busca de se tornar uma pessoa melhor.
Ao longo de sua reabilitação pessoal, o protagonista conta com o auxílio da família, especialmente da mãe dedicada e amorosa e do irmão, Jake, que tenta reaproximá-lo de uma vida normal ao lado dos amigos, fazendo coisas que homens de sua idade deveriam fazer e assistindo a vários jogos de futebol americano que, a propósito, rendem alguns dos melhores momentos do livro. Também dos amigos e de seu terapeuta, Cliff, uma daquelas personagens com as quais o leitor logo simpatiza. Com certa teimosia e incapaz de uma aproximação tão dócil quanto a das outras pessoas, por outro lado, há seu pai e a insistência em ignorar o filho, o que se explica tanto pelo gênio instável do patriarca, sujeito aos resultados das partidas de seu time predileto, quanto talvez pela dificuldade em enfrentar a doença. É também em meio a esse turbilhão de emoções e reaprendizados que Pat construirá uma amizade excêntrica com Tiffany, cunhada de seu melhor amigo que, como ele, passa por dificuldades mentais.
Dono de uma narração envolvente, feita pela voz do protagonista, Matthew Quick consegue trazer a doença ao seu texto de maneira leve e deveras cômica, com todas as situações atípicas que ela acarreta em meio ao cotidiano das pessoas, mas sem perder a graça ou a genuína carga sentimental que traz consigo. Também, em sua narrativa, é notável a presença de elementos que realçam a confusão pela qual a mente de Pat constantemente passa. Percebe-se, ainda assim, que seus problemas mentais, apesar de existirem, não estão tão atenuados e são enfrentados diariamente com o auxílio dos remédios, dos exercícios e das pessoas que o querem bem.
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Bradley Cooper e Jennifer Lawrence fazem Pat e Tiffany |
Entre todas as qualidades de O Lado Bom da Vida, destaca-se com certa vantagem a construção minuciosa da personalidade de Pat. Pois mesmo com seu ponto fraco de loucura, a simplicidade com a qual passou a levar a vida lhe garante uma lucidez e uma sinceridade que não se podem perceber em pessoas sem os mesmos problemas. Mais que isso, sua história, sem soar como autoajuda ou carregar mensagens nas entrelinhas, é a busca contínua e incessante por ser um homem melhor, mais tolerante, amável e correto. A fé e a motivação que carrega consigo, também, podem até garantir um certo estigma de ingenuidade, quando, na verdade, apenas colaboram para a formação de uma personagem cativante, responsável por render bons instantes de ternura ao leitor.
"Tenho de admitir que, pela primeira vez desde que o tempo separados começou, estou furioso com Nikki por ensinar tal pessimismo em sala de aula. Não vou citar Hemingway tão cedo, nem quero ler outro de seus livros. E, se ele ainda fosse vivo, eu escreveria uma carta para ele agora mesmo e ameaçaria estrangulá-lo até a morte com minhas próprias mãos, só por ele ser tão deprimente. Não é à toa que ele se matou com um tiro na cabeça, como diz o ensaio introdutório."
p. 23
Diferentemente de Pat, de seus momentos utópicos e de seus trejeitos de Pollyana e o jogo do contente, há uma Tiffany extremamente observadora, ferida e meio rude no trato que, da forma mais inesperada possível - como muitas coisas são neste livro -, acaba apoiando o protagonista e a si mesma no combate aos problemas da mente e às marcas deixadas pelo passado, muitas vezes apagadas da memória pela dor que trazem consigo.
A impressão mais forte que tive de O Lado Bom da Vida, no entanto, foi a franqueza com a qual toda a história é contada, expondo a parte negativa das coisas, as recaídas e as derrotas, porém sem deixar de mostrar que também há os momentos positivos e alegres. Haja visto que Pat, mesmo tendo tudo para ser um fracassado - doente, morando na casa dos pais após os 30 e poucos, abandonado pela esposa -, não deixa, em momento algum, de acreditar em seu final feliz. E batalhar com todas as suas forças por ele.
"Se as nuvens estão bloqueando o sol, sempre tento ver aquela luz por trás delas, o lado bom das coisas, e me lembro de continuar tentando, porque sei que, embora as coisas possam parecer sombrias agora, minha esposa logo voltará para mim [...] Dói olhar para as nuvens, mas também ajuda, como a maioria das coisas que causam dor."
p. 20
Informações técnicas
Título: O Lado Bom da Vida
Autor: Matthew Quick
Tradução de: Alexandre Raposo
Editora: Intrínseca (exemplar cedido em parceria)
Número de páginas: 254
ISBN: 978-85-8057-277-3
Gênero: Ficção americana
MATTHEW QUICK era professor na Filadélfia, mas decidiu largar tudo e, depois de conhecer a Amazônia peruana, viajar pela África Meridional, trilhar o caminho até o fundo nevado do Grand Canyon, reviu seus valores e, enfim, passou a dedicar todo seu tempo à escrita.
Ele, então, fez MFA em Creative Writing pelo Goddard College e voltou para a Filadélfia, onde mora com a esposa.
Quick é autor de três romances além de O lado bom da vida, e recebeu várias críticas elogiosas e importantes menções honrosas, entre as quais destaca-se a do PEN/Hemingway Award.
Será que vem Oscar por aí, gente?