02 março 2013

Elogio da Madrasta, de Mario Vargas Llosa

Fala-se muito em literatura erótica atualmente. É visível, no entanto, que há classificações bastante especulativas por parte dos leitores em se tratando do limiar entre o erotismo e o pornô, no sentido mais puro - adjetivo contraditório - da palavra.

Neste romance de Mario Vargas Llosa, peruano vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010 (um dos únicos sul-americanos a conquista esta façanha, ao lado de Gabriel García Márquez), quem impera é o erotismo. Isto porque Elogio da Madrasta narra a história de Lucrecia, uma mulher que, aos 40 anos de idade, esbelta e plena em sua vida sexual ao lado do marido, Don Rigoberto, acaba se envolvendo de maneira leviana com Fonchito, de quem é madrasta, um garoto que mal entrou na adolescência e já nutre verdadeiro fascínio por ela. 

O que aparentemente poderia se encaminhar para uma narrativa dramática e de forte teor, todavia, acaba ganhando certa leveza e até mesmo alguns toques peculiares de humor característicos de Vargas Llosa. Sem abrir mão da sensualidade, claro, que é o principal elemento na formação estilística do livro. 
"Também foram abolidos os sentimentos altruístas, a metafísica e a história, o raciocínio neutro, os impulsos e obras de bem, a solidariedade com a espécie, o idealismo cívico, a simpatia pelo congênere; foram apagados todos os humanos exceto você e eu. Desapareceu tudo o que poderia nos distrair ou nos empobrecer na hora do egoísmo supremo que é a hora do amor. Aqui, nada nos freia nem nos inibe [...]"
p. 145
 A problemática se limita ao triângulo amoroso, mas trabalha com forte intertextualidade artística ao dedicar capítulos exclusivos a diálogos com telas renomadas (como as clássicas que mostram Vênus), traçando comparações e metáforas, especialmente metáforas, com as personagens ou com o momento que elas vivem. Lucrecia, por exemplo, às vezes é rainha, noutras é a deusa do amor. Fonchito, por sua vez, é o rapaz com trejeitos de querubim que é corrompido pela beleza da criatura à qual se dedica. E Don Rigoberto é retratado, majoritariamente, no culto ao próprio corpo.

Ainda como parte integrante do erotismo, tem-se aqui uma forte ligação à carne. Não exclusivamente em se tratando de sexo, mas de cada parte do corpo que se descreve e se celebra na narrativa, de cada fluido e som que ele emite, provocando, de forma ambígua, admiração e asco, este muitas vezes trazido com a veia humorística sobre a qual já se falou anteriormente.

Lendo numa resenha, talvez soem excêntricas demais as minúcias que Elogio da Madrasta carrega em sua problemática simples. A verdade, entretanto, é que as mesmas caem muito bem à leitura e a fazem transcorrer de modo rápido e prazeroso. Não sem certo estranhamento às vezes, mas nada que fuja a um livro interessante ou a um bom entretenimento. De um vencedor do Nobel, ainda que não estejamos falando de uma de suas obras de arte, deve-se sempre esperar por peculiaridades. Dos convencionais, em nossas leituras cotidianas, estamos muito bem servidos.

E como não poderia ser diferente, fica uma boa parte do charme da obra por conta das personagens. Da madrasta que vive em franco questionamento consigo mesma acerca de seus desejos profanos e de sua lascívia em relação a uma genuína criança; das oscilação de temperamentos e personalidades do afilhado que, em algumas horas, é sensual, travesso e sabe de muito, enquanto noutras é a ingenuidade encarnada; do marido e pai que, alheio a tudo isso, ama a madrasta, ama o filho e a si mesmo em rituais diários de purificação.

Para conhecer a obra de um dos grandes autores de nosso tempo, Elogio da Madrasta funciona puramente como introdução e lazer. Longe de ser excepcional, mas picante, sim, e bem-humorada, também, além de ser acompanhada de uma boa narração, é uma leitura que foge às limitações do gênero imposto e se destaca simples e puramente por sua originalidade, esta senhora que tanto perseguimos em nossos livros de cada dia.


 Informações técnicas
Título: Elogio da Madrasta
Título original: Elogio de la Madrastra
Autor: Mario Vargas Llosa
Tradução de: Ari Roitman e Paulina Wacht
Editora: Alfaguara
Número de páginas: 177
ISBN: 978-85-390-0205-4
Gênero: Ficção peruana

Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Mario Vargas Llosa é um escritor consagrado internacionalmente. Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, ganhou notoriedade literária com a publicação do premiado romance A Cidade e os Cães (1961).  Mudou para Paris nos anos 60, e lecionou em diversas universidades americanas e européias, ao longo dos anos. 
Com uma vasta produção literária, que inclui peças teatrais, ensaios e memórias, Vargas Llosa publicou sobretudo romances, entre eles Conversa na Catedral, Pantaleão e as Visitadoras, Tia Júlia e o Escrevinhador, A Guerra do Fim do Mundo, Quem Matou Palomino Molero? e Cartas a um Jovem Escritor. 

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