Foto: We Heart It/Tumblr |
A mudança é uma constante em nossos cotidianos, como já o
falaram uma boa porção de autores dessas frases que saturam as redes sociais. A colocação, a princípio, embora até soe paradoxal,
serve de base para esta lei fundamental da vida: a de crescer, evoluir, ampliar
e conhecer.
Falando de maneira análoga, gosto de pensar que, ao início,
somos tais como pássaros que buscam o conforto e o calor do ninho. Grudados à
saia da mãe, temos aquela carência de aprendizado típica de quem ainda está tentando
abrir os olhos - com espanto diante da luz -, que desperta para cada sentido
extasiado de vida ou mesmo aquele que, atrevido, já tenta alçar seus primeiros
voos.
Em algum momento imprevisível, todavia, talvez pela força da
malícia, da vivência, do desejo ou mesmo da necessidade de ver, começamos a
circular por outros ninhos. Arriscamos uma saída simbólica da zona de conforto
só para podermos ter a certeza de que havia algo, de fato, para longe. É quando
chega a mudança sincera e viçosa, a vontade de transpor limites e estabelecer
outros novos, a confirmação de que o espaço ficou pequeno demais e que um além
dele precisa ser conquistado.
Foi sob este estigma de busca por conhecimento, então, que saí
de casa um dia desses, com pouca idade na bagagem, para uma cidade
completamente desconhecida. E ainda que o tempo vivido nestas condições tenha
sido pouco, posso dizer que foi intenso e que tive uma boa noção do mundo sobre
o qual tanto falam os aventureiros solitários.
Sair de casa, primeiramente, tem gosto bom de novidade. O
frenesi de saber que, naquele momento, você passa a ser o único e primeiríssimo
dono de si e de suas atitudes, anestesia uma parte do medo racional que é
inerente à despedida do lar. Quem sai de casa vê tudo com olhos de descoberta,
até o momento em que chega à percepção clara de que uma cidade nova não é
colônia de férias, que as vidas ali continuam a seguir da mesma forma que o
faziam antes, que o tempo não para em decorrência da sua chegada e que a rotina
vai, em algum momento, consumir você. Só difere que, em decorrência da busca por
novos limites, o viajante está por conta própria. E deixou de ser viajante.
Quando a gente vai morar sozinho, já nos primeiros dias,
passa a escutar, vindos não sei de onde, todos os sermões passados pela mãe ao
longo da vida. Também pela avó, pelo pai, pela tia... A gente entende, enfim,
que, se não levar o guarda-chuva na bolsa, vai chover mesmo; que um casaco é
essencial à noite; que é melhor não dar confiança a qualquer estranho; que
ninguém vive só de comer congelados; que é necessário saber dizer “não”; que
deixar o quarto bagunçado causa até um mal-estar, de vez em quando; que é
melhor pensar duas vezes antes na necessidade de comprar tal coisa do que comprá-la
pelo impulso e ter uma ressaca de amargura depois.
Quando a gente vai morar sozinho, também, fica esperto do
dia para a noite em nome do instinto humano de sobrevivência. A gente logo
passa a identificar, ou tenta, que aquilo vai acabar em confusão, que é melhor
não se meter na briga dos outros, que nem todo mundo, infelizmente, é bacana e
está disposto a ajudar. Repentinamente, em alguns casos, envelhecemos 2 anos, 5
anos... Ou toda uma década. Às vezes, por ingenuidade, todavia, a gente vira
criança. E depois chora de arrependimento para crescer outra vez.
Uma das coisas mais sinceras em meio a essa experiência,
porém, é o valor que quem mora sozinho começa a dar às coisas. Minúcias e
simplicidades da vida passam, em algum momento, a ter um significado
completamente especial. Olhar para as prateleiras de livros antes de dormir,
ter uma padaria na esquina de casa, ouvir o som do mar numa tarde tranquila,
acariciar o cachorro e falar coisas sem sentido para ele, sair com os amigos
para jogar conversa fora... Isso sem falar na saudade, claro, que é uma das
companhias mais presentes no dia a dia dos solitários. Saudade da família, do
aconchego materno, das conversas com o pai, da ternura pelo irmão, das amizades
de toda a vida, da facilidade em meio à qual o dia a dia costumava acontecer e
mesmo da expectativa que havia antes do primeiro voo, da primeira viagem.
Até que, em algum momento tão repentino quanto o da saída, algo muda.
Com a experiência, a novidade, o medo, a alegria e a
saudade, todas reunidas, no entanto, a gente aprende a
viver uma nova forma de vida. Difícil mesmo é quando o dia em que se sai de casa
passa a ser um momento do passado e, impulsionado pela vontade de conhecer, o
viajante decide que está na hora de seguir estrada rumo a outro lugar para
conquistar o mundo, cada vez mais distante dos anseios prematuros, das
expectativas futuras e de seu saudoso lar.
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