13 março 2013

No dia em que eu saí de casa...

Foto: We Heart It/Tumblr

A mudança é uma constante em nossos cotidianos, como já o falaram uma boa porção de autores dessas frases que saturam as redes sociais.  A colocação, a princípio, embora até soe paradoxal, serve de base para esta lei fundamental da vida: a de crescer, evoluir, ampliar e conhecer.

Falando de maneira análoga, gosto de pensar que, ao início, somos tais como pássaros que buscam o conforto e o calor do ninho. Grudados à saia da mãe, temos aquela carência de aprendizado típica de quem ainda está tentando abrir os olhos - com espanto diante da luz -, que desperta para cada sentido extasiado de vida ou mesmo aquele que, atrevido, já tenta alçar seus primeiros voos.

Em algum momento imprevisível, todavia, talvez pela força da malícia, da vivência, do desejo ou mesmo da necessidade de ver, começamos a circular por outros ninhos. Arriscamos uma saída simbólica da zona de conforto só para podermos ter a certeza de que havia algo, de fato, para longe. É quando chega a mudança sincera e viçosa, a vontade de transpor limites e estabelecer outros novos, a confirmação de que o espaço ficou pequeno demais e que um além dele precisa ser conquistado.

Foi sob este estigma de busca por conhecimento, então, que saí de casa um dia desses, com pouca idade na bagagem, para uma cidade completamente desconhecida. E ainda que o tempo vivido nestas condições tenha sido pouco, posso dizer que foi intenso e que tive uma boa noção do mundo sobre o qual tanto falam os aventureiros solitários.

Sair de casa, primeiramente, tem gosto bom de novidade. O frenesi de saber que, naquele momento, você passa a ser o único e primeiríssimo dono de si e de suas atitudes, anestesia uma parte do medo racional que é inerente à despedida do lar. Quem sai de casa vê tudo com olhos de descoberta, até o momento em que chega à percepção clara de que uma cidade nova não é colônia de férias, que as vidas ali continuam a seguir da mesma forma que o faziam antes, que o tempo não para em decorrência da sua chegada e que a rotina vai, em algum momento, consumir você. Só difere que, em decorrência da busca por novos limites, o viajante está por conta própria. E deixou de ser viajante.

Quando a gente vai morar sozinho, já nos primeiros dias, passa a escutar, vindos não sei de onde, todos os sermões passados pela mãe ao longo da vida. Também pela avó, pelo pai, pela tia... A gente entende, enfim, que, se não levar o guarda-chuva na bolsa, vai chover mesmo; que um casaco é essencial à noite; que é melhor não dar confiança a qualquer estranho; que ninguém vive só de comer congelados; que é necessário saber dizer “não”; que deixar o quarto bagunçado causa até um mal-estar, de vez em quando; que é melhor pensar duas vezes antes na necessidade de comprar tal coisa do que comprá-la pelo impulso e ter uma ressaca de amargura depois.

Quando a gente vai morar sozinho, também, fica esperto do dia para a noite em nome do instinto humano de sobrevivência. A gente logo passa a identificar, ou tenta, que aquilo vai acabar em confusão, que é melhor não se meter na briga dos outros, que nem todo mundo, infelizmente, é bacana e está disposto a ajudar. Repentinamente, em alguns casos, envelhecemos 2 anos, 5 anos... Ou toda uma década. Às vezes, por ingenuidade, todavia, a gente vira criança. E depois chora de arrependimento para crescer outra vez.

Uma das coisas mais sinceras em meio a essa experiência, porém, é o valor que quem mora sozinho começa a dar às coisas. Minúcias e simplicidades da vida passam, em algum momento, a ter um significado completamente especial. Olhar para as prateleiras de livros antes de dormir, ter uma padaria na esquina de casa, ouvir o som do mar numa tarde tranquila, acariciar o cachorro e falar coisas sem sentido para ele, sair com os amigos para jogar conversa fora... Isso sem falar na saudade, claro, que é uma das companhias mais presentes no dia a dia dos solitários. Saudade da família, do aconchego materno, das conversas com o pai, da ternura pelo irmão, das amizades de toda a vida, da facilidade em meio à qual o dia a dia costumava acontecer e mesmo da expectativa que havia antes do primeiro voo, da primeira viagem.

Até que, em algum momento tão repentino quanto o da saída, algo muda.

Com a experiência, a novidade, o medo, a alegria e a saudade, todas reunidas, no entanto, a gente aprende a viver uma nova forma de vida. Difícil mesmo é quando o dia em que se sai de casa passa a ser um momento do passado e, impulsionado pela vontade de conhecer, o viajante decide que está na hora de seguir estrada rumo a outro lugar para conquistar o mundo, cada vez mais distante dos anseios prematuros, das expectativas futuras e de seu saudoso lar.

0 comentários: