10 março 2013

Sobre Uma Garrafa no Mar de Gaza, utopias e antagonismos

A atriz francesa Agathe Bonitzer vive Tal de maneira contida e juvenil, meio rebelde, meio utópica | Foto: Adoro Cinema

Tenho um interesse genuíno por Uma Garrafa no Mar de Gaza desde que descobri que um livro responsável por contar sua história seria publicado no Brasil. Este interesse, aliás, se fortaleceu com a enorme curiosidade gerada acerca do enredo promissor e romântico, o qual parecia resistir de maneira juvenil ao contexto político tão polêmico que carregava consigo.

Veio, então, em outubro ou novembro (talvez tenha sido em dezembro, mas não estou tão certa quanto a isso), por meio da Editora Seguinte, o romance de Valérie Zenatti. E não que fosse realmente uma surpresa, porém, ao realizar sua leitura, pude confirmar que se tratava de uma obra majoritariamente epistolar. Com personagens que escreviam demais, que pensavam demais e que, nas ações, eram fantasmas. E não tive como evitar que, após tantas expectativas utópicas, sentisse um gostinho de decepção. Não propriamente pela história, todavia, pela falta de envolvimento, pelas complicações inerentes ao mundo em que vivemos eles e nós. Um mundo duro, realista, repleto de antagonismos e de ódios seculares que levam tantas coisas que poderiam ser boas às ruínas. Esse problema de sempre do futuro do pretérito, daquilo que não foi e poderia ter sido, do que seria doce e acabou amargo, dos sonhos que tão bem sonharíamos e em desilusões ruins se tornaram.

Tal e Naim, como um todo, são jovens, cheios de vida, de metas e de vontades. Adoram ouvir boa música, sair com os amigos, beber um pouco, fumar talvez, arriscar um palpite sobre artes quem sabe. Têm também, tal qualquer outro jovem, os amores e a sensualidade à flor da pele, na idade de descobrir o mundo e de ser descoberto por ele. Todas as suas semelhanças, no entanto, se anulam por uma condição histórica margeada por anos de guerra, sofrimento, vingança e ódio; ódio extremo, ao extremo e puramente extremista: ela vive em Jerusalém e ele é palestino. Fim de história.

Quando a moça tem uma ideia bastante piegas e romântica de jogar uma mensagem dentro de uma garrafa ao Mar de Gaza, contudo, algumas verdades absolutas de seus mundos opostos começam a cair por terra. Ele encontra o objeto por acaso, os dois passam a se corresponder de forma ilegal e, meio receosos ao início, bombardeiam um ao outro com perguntas, frustrações, raiva; tornando-se, ao fim, bons amigos, cúmplices não de uma crença, mas de algo ainda mais importante e escasso em tempos de antagonismos: da vontade de crer.

Uma vez que enfim tive a oportunidade de assistir ao filme desta história, cheguei à rara conclusão de que, em minha experiência particular, ele superou o livro. Dirigido pelo francês Thierry Binisti, Uma Garrafa no Mar de Gaza é, em primeiro caso, apesar de todo o seu romantismo em questões extremamente complexas, concreto. Ao mostrar o cotidiano dos dois protagonistas enquanto se comunicam via e-mail, o longa dá ao espectador a oportunidade de conhecê-los em sua individualidade, de ver de forma muito sincera as realidades completamente distintas que vivem. E de torcer, mesmo com todos os impasses, para que, em algum lugar do fim, seus caminhos se cruzem.

Mahmoud Shalaby é Naim | Foto: My French Film Festival







O filme encontra sua solidez em detalhes essenciais: ao mostrar o atentado, ao trazer todos os sons assustadores de uma bomba que explode num cenário comum do dia a dia, ao introduzir ao leitor uma Tal que frequenta festas e é livre, em contrapartida a um Naim cheio de restrições, que detesta seu trabalho e sonha em ir embora de sua terra, a qual nem sequer é reconhecida como um Estado. E ainda que as noções cronológicas da trama deixem a duvidar por sua intensidade, é visível que aquilo que passam a compartilhar é, além de confuso, sincero, puro e desapegado de qualquer preconceito que são instigados a ter desde o princípio de suas vidas.

Pouco parcial ao mostrar as dificuldades de todos os dias de palestinos e israelenses, o enredo consegue ser humano, além de despertar, nos espectadores mais envolvidos, uma série de utopias. É sabido que todas as rotas apontam para uma conclusão certa, real e inevitável, mas Uma Garrafa no Mar de Gaza tem aquela capacidade, que se confunde com aflição ao fim, de nos fazer sonhar. E mesmo que não seja um dos longas mais excepcionais ou originais destes tempos, rende bons momentos de reflexão e mostra, até de forma leve comparada ao que realmente acontece, os horrores dos conflitos que cercam os grupos inimigos.

Entre as muitas motivações que me levaram a falar deste filme no blog, enfim, fica o brilho daquela eterna esperança de que a possibilidade seja o norte de muitas histórias como a de Tal e Naim. Porque não posso negar que, em minha condição utópica, torcerei sempre para que o casal que corre em lados opostos de uma praia se encontre, que o avião da moça que está partindo se atrase, que haja coragem por parte de todos, que haja respeito pela vida e que persista a tolerância. Ainda que por um segundo, ainda que quase nada, e já terá significado tudo.






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