09 março 2013

Sangue Quente, de Isaac Marion

O momento, para Sangue Quente, é de chamar bastante atenção dos holofotes literários e culturais. Isto porque, no mês passado, chegou aos cinemas brasileiros a adaptação da história que leva um nome bastante questionado por seus fãs: Meu Namorado É um Zumbi. Verdade seja dita, no entanto, que, independentemente das contradições em relação ao seu título cinematográfico (ou comercial), a obra, desde o ano de seu lançamento, tem recebido muitos elogios acerca de sua autenticidade. E não poderia ser diferente com uma narrativa que emprega tamanha sutileza, esperança e romantismo - sempre acompanhados de certo humor também - ao tratar de seres como zumbis. 

O protagonista, neste caso, é R. Apenas R, pois, em seu caráter de morto-vivo, ele muito pouco se lembra da vida humana que costumava ter. Inclusive do próprio nome. Grande parte desta antiga vivência vai se esvaindo aos poucos de criaturas como o tal, corroendo-lhes a pele, o corpo e, acima de tudo, quase que sua completa humanidade, além das lembranças que poderiam restar. Tudo está podre e desgastado. O mundo, fatalmente, não é como antes. Os países ruíram, as grandes cidades se transformaram em um completo caos e os humanos - vivos, de fato - se organizam em colônias para tentarem sobreviver aos ataques desvairados de zumbis famintos. 

R., porém, apesar da atual condição, conserva certos princípios e sentimentos que lhe fazem sentir um asco de si mesmo. Principalmente pelo fato de que, ao comer cérebros de seres humanos, o que lhe garante boa parte da energia da qual necessita, ele passa a vivenciar algumas reminiscências das vítimas. A sensação de culpa só tende a aumentar quando, numa saída com os "colegas" em busca de boas carnificinas, encontra Julie, uma jovem cheia de vida que desperta algo completamente inesperado em seu âmago adormecido. E não é fome, claro.

Entre os recursos utilizados e todas as ideias criativas de Isaac Marion, a que confere maior notabilidade para seu livro, indubitavelmente, é a humanidade que ele coloca em um zumbi. De uma maneira que, com certa ambiguidade, consegue ser cômica e reflexiva. Esta característica, a propósito, marca toda a narração em primeira pessoa, recheada dos pensamentos de R. e responsável por estreitar os laços entre personagem e leitor. Simplesmente porque, em todos os contatos culturais que já tive com zumbis - seja em filmes, livros ou séries -, acho difícil, se não impossível, ter me cativado tanto por um deles quanto fui pelo protagonista de Sangue Quente.

Adaptação cinematográfica | Foto: Terra
E quase todo o livro inspira pioneirismo, de certa forma. Desde conversas bizarras e monossilábicas entre zumbis (que mal conseguem falar mais de cinco palavras ininterruptamente), até um completo anti-herói, que tem tudo para ser um monstro, mas que conserva a esperança de que, um dia, há de se tornar algo melhor. Apresenta-se aqui, numa síntese geral, tudo aquilo que não se espera de uma problemática sobre criaturas asquerosas. Uma história que ousa ao misturar romance, sobrenaturalismos, desesperança e utopia sem perder a graça ou a originalidade.

É até mesmo cômico pensar que, num diálogo entre um zumbi e uma garota comum, o leitor seja capaz de pensar algo como: "que fofo!". Mas esta é apenas uma das bizarrices que dão à obra de Marion o tom ideal. Soma-se isso às personagens certas e está feito: são jovens rebeldes e loucas atrás de liberdade e de seus sonhos, zumbis que despertam novamente para a vida humana, zumbis que tentam ao máximo ser quem eram antes, zumbis que enxergam novas chances e estão dispostos a batalhar por elas, zumbis que, muitas vezes, têm mais humanidade que os próprios humanos.

Cativante nos mais abrangentes sentidos da palavra, Sangue Quente não é uma leitura com linguajar rebuscado ou de abordagem profunda, embora também passe longe da superficialidade. Cheia de personalidade, antes de qualquer outra coisa, e da simplicidade no enredo que certas coisas boas têm, pode até causar estranhamento aos desavisados, no início, embora é quase garantido que, ao conhecer R., fique difícil você não nutrir uma mínima simpatia que seja pela obra. Mais provável que grande, claro.

Obs.: Não costumo comentar a respeito de erros de edição, mas lamento dizer que, na minha edição de Sangue Quente, foi gritante a quantidade destes em se tratando de gramática. Quase todos os porquês foram erroneamente empregados e a crase, em vários casos, virou termo-acessório. Isso sem contar os trechos em que ela foi substituída por acento agudo. E que fique a dica.

 Informações técnicas
Título: Sangue Quente
Título original: Warm Bodies
Autor: Isaac Marion
Tradução de: Cassius Medauar
Editora: Leya (exemplar cedido em parceria)
Número de páginas: 252
ISBN: 978-85-8044-033-1
Gênero: Ficção americana; Ficção Fantástica


Isaac Marion nasceu no noroeste de Washington, em 1981. O autor de Sangue Quente morou a vida inteira nos arredores de Seattle, onde trabalhou como instalador de dutos de aquecimento, segurança de estações de energia e em empregos estranhos, como entregador de leitos de morte para pacientes de hospício e supervisor de visitas de pais em orfanatos. Ele não é casado, não tem filhos, não fez faculdade e não ganhou prêmios. Sangue Quente é seu primeiro romance e foi vendido para diversos países. Muito em breve, se o mundo não acabar, o filme, baseado na obra, chegará aos cinemas.



0 comentários: