Sob uma perspectiva diferente, não me restam dúvidas de que outros leitores reconhecerão acima uma história típica em nossas leituras da contemporaneidade, assim como não me restam dúvidas quanto a condutas literárias que se transformam em correntes de uma época e repetem-se. No meio do caminho, todavia, sinto falta de um pouco mais de originalidade, pois o relacionamento entre os triângulos estão tão repetitivos, tão batidos, que fica difícil se encantar totalmente com a premissa, tendo plena certeza daquilo que ocorre ao final.
Stefan, Elena e Damon: o triângulo do momento |
Não se sabe ao certo em que momento da história literária teriam surgido os trios amorosos, mas podemos facilmente mencionar, fazendo uma pesquisa aprofundada, alguns dos precursores de uma tendência que se globalizou em larguíssima escala. Entre os mais famosos encontramos, na Grécia Antiga, em Ilíada, Helena, Páris e Aquiles. No século XII, na história de O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, Guinevere, Lancelote e Artur e um pouco mais a frente, os clássicos da dramatização artística, Colombina, Pierrô e o anti-herói, Arlequim, matrizes de um comportamento passional que já rendeu obras-primas sobre ciúmes, amores e desamores.
O triângulo passa a ser desvalorizado, em contrapartida, quando se torna mero instrumento comercial, gerado apenas para dar continuidade à história de uma maneira que os leitores mantenham seus interesses renovados; leituras que poderiam ter sido finalizadas em um volume e que são prolongadas para dar mais "pimenta" à mistura, acabando, muitas vezes, azedando-na. São padrões semelhantes nos quais todos os leitores têm a certeza e a plenitude de que a protagonista permanecerá, ao final, com o seu primeiro e mais puro amor, aquele que em algum momento se afasta ou gera dúvidas, mas é sempre absoluto.
Capitu, dos olhos de cigana, traiu ou não? |
Em Dom Casmurro, por exemplo, apesar de muitos considerarem como um quarteto, há um clássico triângulo amoroso explorado com maestria por Machado de Assis no qual permanecem as incertezas e os ciumes obsessivos de Bentinho que, em momento nenhum, tem certeza da traição entre Capitu e Escobar, mas hesita e hesita todo o tempo, deixando seu leitor ansioso, despertando sua curiosidade e o mistério daquilo que ocorrerá ao final. Citando um livro mais recente, para provar que não se trata de um preconceito meu com a literatura juvenil contemporânea, temos A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón que apesar de não ter um enfoque, propriamente falando, em sua parte romântica, apresenta um triângulo que deixa o leitor amistoso, dividido. O primeiro amor de Daniel, Clara Barceló não é, afinal, o predominante, e até que o protagonista descubra o outro, muitas águas hão de transcorrer.
Não tenho o mínimo interesse na extinção dos triângulos amorosos. Dessa pandemia já estou doente, aficionada, mas não deixando de esperar que com um pouco mais de originalidade, conheçamos novos Pierrôs, Colombinas e Arlequins apaixonados, intrincados em tramas menos previsíveis pelos estranhos caminhos de um coração. De três, neste caso.
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