15 junho 2012

No breve espaço de um silêncio


As palavras que você disse naquela tarde ainda ecoam por todos os cantos desta casa. As que mais profundamente me doem, porém, são aquelas que nunca proferimos um ao outro, aquelas que ficaram nas lacunas de um beijo de perdão, de um sonho abandonado por uma rua qualquer da vida...


Abandonamo-nos aos poucos, conhecendo bem o caminho que seguíamos, mas sempre fingindo não enxergá-lo. Você me perguntava se estava tudo bem e eu concordava, sorria, até, com medo de destruir nossa paixão tão delicadamente tecida pelos anos e pelo simples prazer de estar, estar meio sei lá, deitados ao lado um do outro, sem fazer planos para qualquer futuro inesperado, sem pensar que num dia, perto ou distante, simplesmente um de nós sairia pela porta da frente de um amor em construção para nunca mais voltar.

E repentinamente, naquele café meio amargo de uma tarde enevoada de outono, nossos olhos se encontraram e eu soube, soube que seria você a buscar por novas trilhas em outras vielas. Não chore, Catarina. Estou cansado, foi tempo demais. Preciso ficar sozinho. Você é linda. Amo, amo sim. Vá embora, Carlos. Não se esqueça de fechar a porta.

Passei a sentir falta dos ruídos de quando você arrastava o meu sofá para assistirmos ao nosso filme antigo de domingo.  Da sua voz reclamando que eu não deveria beber, no dia seguinte de um porre épico, com a minha cabeça latejando e suas reclamações quase paternas sobre a minha irresponsabilidade. Doeu-me na alma não ouvir sua risada quando o âncora do noticiário cometeu uma gafe de gêneros ao ler o teleprompter. Só não foi pior que naquele dia, enquanto eu preparava a nossa salada esquisita para o almoço. Carlos, o que tem mesmo no molho secreto da salada? Duas pitadas de pimenta-do-reino e...? E aí foi o silêncio que me recebeu como a um velho amigo. Aquela merda de silêncio onde você nunca deveria ter me deixado, ardendo de paixão.

Semana passada, quando você ainda estava aqui, a gente queria dormir e acabou ligando pra portaria pra vizinha de cima parar com a música ruim dela. A moça, brava, abriu a janela e xingou  a gente com um vocabulário preparado, de calão bem fino. Rimos até a barriga doer, você lembra, Carlos? Eu já não consigo esquecer. Não consigo esquecer dos seus sussurros quentes fervendo na minha nuca, nas minhas omoplatas, nos ouvidos, passeando pelos brincos delicados, dos seus lábios para os meus...  Eu te amo, Catarina. Ainda ouço nitidamente o som do seu corpo empurrando o meu sobre o assoalho de madeira com doçura, naquela cadência tão melíflua entre nós dois, no breve espaço de amar de Camões, de Carlos e Catarina.

Mas hoje à tarde, quando cheguei do trabalho e ouvi esse apartamento tão nosso, tão meu agora, deu-me uma ressaca desses sons, desse desgraçado silêncio. Pensei. Sentei. Mordisquei os lábios, levemente machucados dos seus dentes. Fui até a cozinha e peguei o interfone. Liguei pro porteiro. Boa noite, seu Luís, tudo bem? Tá tarde, né? Mas me faz um favor, liga pra moça do 43 e pede pra ela colocar aquela música do outro dia pra tocar. Isso mesmo. Obrigada.

Esperei e, repentinamente, lá do alto, surgiu um som que me fez rir. O pagode da vizinha de cima povoou esse apartamento, espantou os sussurros do silêncio e me pareceu a sintonia mais libertadora que já ouvi. Engraçado como as funções das pessoas mudam. De repente, achei o “filha da puta” dela naquela noite muito simpático e me deitei nas almofadas da varanda tranquilamente, observando o ápice do céu estrelado em área urbana, embalada pela alegria súbita. Bem que eu te amei, Carlos. Bem que eu te amei...


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