Há muito tempo que não lia um livro vindo de Portugal. Tão acostumada aos nossos romances
abrasileirados, estranhei bastante, às 20 primeiras páginas, a história que
Lídia Jorge narra ao seu leitor. Foram algumas mudanças sutis no português, um
“c” intruso, um acento inesperado e uma narrativa em tempo psicológico,
começando do final, que simplesmente me deixaram à deriva. Até que a
protagonista, Solange de Matos, tomou as rédeas e nos conduziu ao âmago de A Noite das Mulheres Cantoras, aonde
tudo começou.
.
Acima de qualquer outra coisa, é um livro sobre sonhos e
paixões. Um grupo de jovens cheias de vida que se encontram, por acaso, no
caminho de Gisela Batista, uma mulher que deseja ardentemente se mostrar ao mundo,
ser amada pelo público através de sua música. Juntas, ela, Solange, Madalena
Micaia e as irmãs Alcides começam a formar um grupo musical. Suas vozes, de
alguma maneira, equalizam-se. Guiadas através das letras redigidas pela protagonista,
as cantoras se preparam para a grandiosidade do sucesso. Ensaiam diariamente e
fazem uma promessa à Gisela de que, a partir daquele
início, dedicarão suas vidas exclusivamente à carreira. Nada de chegarem
atrasadas aos ensaios, manterem-se no peso ideal e, principalmente, privarem-se
de qualquer vida amorosa. Até que um
coreógrafo, João de Lucena, é contratado e, assim meio que pelo acaso, como são
as grandes coisas da vida, Solange se apaixona por ele.
Através de uma narração lírica e muito bem conduzida, Lídia
Jorge tinha em mãos todos os elementos necessários para redigir uma obra
envolvente e inesquecível. Para mim, contudo, foi nem uma coisa nem outra.
Apenas curiosa, uma obra indubitavelmente distinta, mas a qual não tocou minha
essência sensível de leitora. Como uma protagonista apática, que se curva às
vontades de todos, faltou presença de espírito a Solange. Especialmente no que
diz respeito a Gisela, a maestrina do grupo, que lhe enche de encantamento e
respeito de tal maneira que ela passe a ser totalmente guiada, tola,
acreditando de maneira cega em tudo que lhe é dito ou pedido. Um comportamento observado ainda ao lado de
Murilo, um dos rapazes da universidade em que Solange estuda e que é
verdadeiramente apaixonado por ela, mas a trata de maneira rude, mal deixando
que a moça exponha sua opinião, sendo arrogante em diferentes momentos. Eu só
me pergunto a custo de quê...
Engraçado é que, entre todas as personagens,uma das que mais
me marcou foi, como a todas as cantoras, Gisela. Uma Gisela sempre instável,
mais madura, à frente de todos. Uma mulher tida como bela por alguns, perigosa
para os homens, clássica e intensa, todavia dona de uma voz fraca que necessita
ser reforçada pela força do timbre de Madalena, a cantora negra, conhecida
pelas moças como The African Lady, em nome de seus vários atrasos para
os ensaios. Uma visão bem portuguesa da coisa, diga-se de passagem.
Aos leitores que eventualmente esperarem por uma grande
história de amor, deixo a ressalva de que o caso vivido entre Solange e João é
simplesmente complicado. E enriquecedor também, à sua maneira. Ele, um homem
bem mais velho, com experiência de palco e de paixões. Ela, uma universitária
em busca de um caminho a seguir pela vida, que encontra nele certa segurança e
uma maneira de se aventurar, deixando as regras de lado e desenvolvendo
verdadeiro fascínio pela figura do homem que lhe ensinou a brilhar.
Interessante, mas talvez não tão empolgante. Se houve amor de um lado, faltou
paixão do outro.
A Noite das Mulheres Cantoras foi uma experiência diferente.
Uma narrativa cativante, com uma história que pareceu vaga em alguns instantes,
incompreensível talvez, mas graciosa. Não é o tipo de livro pelo qual o leitor
se apaixona à primeira leitura, mas sempre pode haver uma segunda mais atenta,
ou quem sabe uma terceira... Garanto que pela riqueza das palavras e a experiência da autora, vale a pena.
Informações técnicas
Título: A Noite das Mulheres Cantoras
Autora: Lídia Jorge
Editora: Leya (cedido em parceria)
ISBN: 978-85-8044-506-0
Gênero: Literatura portuguesa
Lídia Jorge nasceu em 1946, em Algarve. Entre seus romances, destacam-se O Dia dos prodígios (1980), O Cais das merendas (1982), Notícia da Cidade Silvestre (1984), A Costa dos Murmúrios (1988) e O vento assobiando nas gruas (2002), todos premiados. Sua obra encontra-se traduzida em muitas línguas e pelo conjunto da obra, a autora foi vencedora do prêmio Albatros (2006) da Fundação Günter Grass, na Alemanha, e do Grande Prêmio Sociedade Portuguesa de Autores – Millennium BCP.
Pessoal, encontro-me sem internet no momento, provavelmente deixarei as postagens desta semana programadas. Agradeço pela compreensão desde já,
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