08 dezembro 2012

1Q84, de Haruki Murakami

Tenho a impressão de que quanto mais lemos, mais procuramos por aquele livro especial, destoante, que consiga mudar a nossa rotina a ponto de nos deixar sem palavras após o seu fim. Ou ainda, quem sabe, com muita vontade de falar a respeito dele para algum outro leitor. Tenho a impressão, principalmente, de que quanto mais lemos, mais raros são os livros ainda capazes de provocar tal sentimento, e é com plena sinceridade que classifico 1Q84 nesta categoria.
"Neste mundo, ninguém é insubstituível. Por mais que a pessoa tenha conhecimento e seja capacitada, sempre se pode encontrar alguém que esteja à altura. Se o mundo estivesse cheio de pessoas que não pudessem ser substituídas, estaríamos em grandes apuros."
p. 119
Haruki Murakami é um autor de grande prestígio não apenas em seu país natal, o Japão, como ao longo de toda a Europa e Estados Unidos, já tendo sido um dos mais cotados para ganhar o prêmio Nobel de Literatura. Até o mês passado, no entanto, quando comecei a presenciar um significativo burburinho em torno de seu lançamento no Brasil, nunca havia lido algo a respeito do tal. O que considero uma lástima, uma vez que ler Murakami (sim, metonímia), posso assegurar, é uma experiência simplesmente fora de série.

Quando me perguntaram, ao longo da leitura, sobre o que se tratava este livro, não pude sintetizar um resumo adequado no momento, pois há algo de surreal em 1Q84 que deve ser descoberto aos poucos pelo leitor. Em poucas palavras, todavia, é seguro dizer que acompanharemos aqui histórias paralelas de personagens que, em algum momento da trilogia, se encontrarão. De um lado, temos Aomame, uma mulher jovem e sozinha que esconde muitos segredos e tem um encontro marcado, possivelmente atrasado pelo trânsito caótico de Tóquio em 1984. De outro, Tengo, professor de matemática em uma escola preparatória, solteiro e escritor de romances que gasta todo o seu tempo livre na busca pela inspiração para a obra de sua vida. Para ela, o mundo passa a ficar estranho quando percebe coisas nas quais nunca tinha reparado e que já aconteceram há muito tempo, além de no céu, misteriosamente, brilharem duas luas. Para ele, tudo corre bem até o momento em que um colega seu, editor literário, lhe propõe reescrever uma obra intitulada Crisálida de Ar, enigmática e com uma história extremamente original, mas sem o devido amadurecimento, escrita por uma jovem de 17 anos que surge para mudar o percurso de todas as coisas.
"No entanto, quando ele olhou para essa garota de dezessete anos chamada Fukaeri, sentiu seu coração bater intensamente. Era a mesma sensação que havia tido quando viu sua fotografia pela primeira vez, mas vendo-a ao vivo e em cores, a palpitação foi bem mais intensa. Não era paixão nem tampouco desejo carnal. Era como se algo penetrasse por uma pequenina fenda tentando preencher um vazio existente em seu âmago. Era essa a sensação. E o vazio não foi algo trazido por Fukaeri; já existia dentro dele. Fukaeri apenas incidira uma luz especial naquele local, iluminando-o."
p. 75
Para acrescentar mais à obra de Murakami, há uma inspiração vinda de George Orwell (1984), que já fica evidente no título. Acima disso, no entanto, há a criatividade do autor japonês a todo o instante em uma problemática repleta de diferentes surpresas, dos desfechos mais inesperados e de caminhos paralelos que intrincam o destino das personagens. Além de dois protagonistas que aparentemente nada têm em comum e de uma garota de 17 anos que pode ser o coração da obra, temos histórias de homens que praticam barbaridades contra mulheres, de mulheres que se vingam destes homens, de pessoas jovens à deriva da vida, de um povo místico e oculto, de uma seita obscura na qual residem os maiores temores e dúvidas do elenco de 1Q84.

Murakami, sem se utilizar de vocábulos pomposos ou fora do contexto para a Literatura Moderna, é dono de um tremendo jogo de palavras, bem conduzidas e de períodos curtos - na medida - que garantem a fluidez da leitura. Sua narrativa tem como diferencial aquele encanto inexplicável que poucos autores são capazes de proporcionar ao leitor, alternando entre os capítulos de Tengo e de Aomame, ambos narrados em terceira pessoa onisciente. Suas personagens são figuras inquietantes, cheias de lacunas em seus passados que deverão ser decisivas para o final da história. O que mais cativa e intriga no enredo, contudo, é o mistério. Aquela aura de completa imprevisibilidade na qual somos envoltos desde o início e que é conduzida ao longo de todo o livro com uma maestria típica de autores experientes, mas ousados.

Com as doses certas de suspense, distopia e romance, ler 1Q84 é uma experiência que, indubitavelmente, vale a pena. Uma vez o tendo lido, resta aos leitores aguardar pelos livros 2 e 3 e desvendar o âmago oculto desta obra promissora.

Informações técnicas
Título:
1Q84
Título original:
1Q84
Autor:
Haruki Murakami
Tradução de: Lica Hashimoto
Editora: Alfaguara (exemplar cedido em parceria)
Número de páginas: 430
ISBN: 978-85-7962-180-2
Gênero: Romance japonês

Haruki Murakami nasceu em Kyoto, no Japão, em janeiro de 1949. Cresceu em Kobe e se graduou na Universidade Waseda, em Tóquio. Viveu por quatro anos nos Estados Unidos, onde deu aulas em Princeton, e regressou ao país natal em 1995. É considerado um dos autores mais importantes da atual literatura japonesa. Sua obra foi traduzida para mais de quarenta idiomas e recebeu importantes prêmios, como o Yomiuri — que já foi concedido a autores como Yukio Mishima, Kenzaburo Oe e Kobo Abe — e o Franz Kafka Prize. O escritor vive atualmente nas proximidades de Tóquio. Dele, a Alfaguara publicou o relato Do que eu falo quando eu falo de corrida e os romances Minha querida Sputnik, Norwegian Wood, Kafka à beira-mar e Após o anoitecer.


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