18 dezembro 2012

O Caderno de Maya, de Isabel Allende

Algumas personagens idealizadas na Literatura possuem uma capacidade admirável de envolver os leitores em suas duras trajetórias. Maya, por exemplo, faz por merecer o seu lugar na categoria. Isabel Allende, a autora deste O Caderno de Maya, já anuncia na contracapa que se trata de uma moça problemática, a qual merece uns bons puxões de orelha vez ou outra, tanto quanto um abraço amigo e algumas palavras de consolo.

Abandonada por uma mãe desinteressada e neglicenciada pelo pai, a jovem foi criada basicamente pelos avós excêntricos, num lar muito feliz, tendo sido sempre alvo de mimos e regalias, além de ter recebido uma educação bem alternativa que a distanciou de quaisquer limites. Ao chegar à adolescência, no entanto, com 16 anos, após a morte de seu amado avô, viu toda a sua vida sofrer uma guinada brusca, motivada pela rebeldia e pela brutalidade com as quais passou a enxergar o mundo. Desolada, sem saber como reagir ao baque e completamente desacostumada ao equilíbrio, Maya passou a se afundar no mundo das drogas, do crime, da orgia e da prostituição.
"[...] fui descendo os degraus do inferno com rapidez, como tantos outros seres abjetos que sobreviviam na rua mendigando e roubando por um punhado de crack, um pouco de metadona ou ácido, um trago de algo forte, áspero, brutal. Quanto mais barato o álcool, mais eficaz, justamente o que eu precisava. Passei outubro e novembro na mesma; não consigo lembrar com clareza como eu sobrevivia, mas me lembro bem dos breves instantes de euforia e depois da busca indigna para conseguir outra dose."
p. 276
A história, no entanto, se inicia numa oportunidade de mudar sua vida. Longe dos Estados Unidos, de Las Vegas e de todos os males que sofreu e causou, a moça se esconde do mundo - literalmente - em uma aldeia remota do Chile, num povoado muito acolhedor e simples, na casa de Manoel, um antigo amigo de sua avó que tem muito a ensinar. Distante de seus vícios e de todos os problemas, passa a levar a rotina de uma maneira serena, rejubilando-se com a natureza, dando aulas na única escola da região e narrando, paralelamente, as partes cruéis de sua história que a levaram até aquele lugar.

Sem sequer ter lido O Caderno de Maya ou mesmo sua sinopse, esperava um romance completamente distinto deste com o qual me deparei. Visto de minha antiga perspectiva, seria um livro mais ágil e até juvenil, levando-se em consideração a fase turbulenta pela qual a protagonista passa. Ao começar a lê-lo, todavia, estranhei a atmosfera de pura calma em que tudo se inicia, na ilha chilena. À primeira impressão, é como dizem, sempre podemos nos enganar. Aos poucos, contudo, a tranquilidade excessiva e o cotidiano tedioso deram lugar a um verdadeiro mergulho nas entranhas do coração de uma jovem perturbada e imprudente. O livro se mostrou, principalmente, como uma história dura, com nuances das mais diferentes sobre a aceitação e o autoconhecimento.

Isabel Allende assume com destreza a voz da anti-heroína que Maya representa, narrando tudo de maneira observadora e conferindo realidade a cada um dos seus sentimentos. A personagem, por sua vez, é a contradição e o extremo em pessoa. Quando ama, oferece a alma. Quando odeia, quer ser o próprio caos. Em sua fase complicada, pinta o cabelo de todas as cores possíveis, veste-se de preto, fuma e consome todo o tipo de droga e leva o sexo como apenas outra parte do processo de sua degradação. No momento em que decide aceitar a vida e todas as suas contrariedades, porém, tem a grande chance de ser quem sempre deveria ter sido.

O Caderno de Maya, em suma, nada tem de promissor. Real, sim, eu diria. Mais que isso, em contrapartida, o livro traz uma bela história sobre alguém que desceu, literalmente, ao inferno e, com o amor de sua família, com a lembrança de seu avô e a promessa de amar a si mesma, reencontrou a paz de espírito e a felicidade pura, despida de vícios e extremismos, dessas que a gente só encontra nas coisas simples da vida, nas paisagens da ilha de Chiloé e nas paixonites irregulares de estação.

Informações técnicas
Título: 
O Caderno de Maya
Título original: 
El Cuaderno de Maya
Autora: 
Isabel Allende
Tradução de: Ernani Ssó
Editora: Bertrand
Número de páginas: 433
ISBN: 978-85-286-1538-8
Gênero: Romance chileno

Isabel Allende nasceu em 1942, no Peru, onde seu pai era diplomata. Viveu no Chile entre 1945 e 1975, com longos períodos de residência em outros lugares, na Venezuela até 1988 e, a partir de então, na Califórnia.
Começou a carrreira literária como jornalista no Chile e na Venezuela. Em 1982, seu primeiro romance, A Casa dos Espíritos, tornou-se um dos míticos da literatura latino-americana. A eles se seguiram muitos outros, todos com grande sucesso internacional. Seus livros já foram traduzidos para mais de trinta idiomas.




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