27 abril 2013

Trinta horas

Imagem: Open Your Mind/ We Heart It

Descobri muito cedo que reclamar da vida era uma conduta inata do ser humano. Ainda que nossos percursos tenham um longo trecho bom pela frente – ou ruim, nunca se sabe -, sempre haverá algo de que reclamaremos, por menor e menos relevante seja. A tal pedra no meio do caminho de Drummond, este senhor que a poesia tão delicadamente agraciou.

De minha parte, como universitária e meio jornalista (jornalista por inteiro só quando estiver formada, pode ser?), as reclamações são referentes ao tempo. A este titã ingrato que me consome e é consumido por mim de maneira tão voraz; ao senhor Cronos que, de persona cruel, acabou por me submeter à irreversível ditadura de suas horas. A cada ação, a cada novo trabalho, a cada simples ato de procrastinar, tenho a impressão de estar sendo perseguida por um som muito sutil, ao fundo, de um relógio a tiquetaquear. Ou talvez seja apenas complexo de cronista em crise; talvez seja também inspiração vinda do subconsciente de um daqueles contos alucinantes de Edgar Allan Poe. Sei lá.

Peço cordialmente, no entanto, caro leitor, que releve minha intertextualidade aparentemente infundamentada. É coisa de umas orações e nada mais.

Engraçado, meio estranho – caótico – que vinte e quatro horas não sejam suficientes. E são, de certa forma. São desde que o mundo está aí, independentemente dos caprichos de alguns prosadores e reclamões. Estranho como, quando damos maior atenção a algo, o passado simplesmente já passou; e que o presente, por sua vez, este instante ínfimo que tanto inquieta os pensadores (e as donas de casa e os operários que sobem a construção) mal possa ser captado por quem vislumbra fragmentos de um tempo que, como já bem diziam as tias, as avós e todo o resto da família, passa muito rapidamente.

Receio também que nós simplesmente não saibamos lidar e administrar cada minuto do qual somos possuidores. Com a mania de adiar, de deixar pra lá e de esperar que as coisas aconteçam, acabamos nos tornando coadjuvantes das histórias de nós mesmos. Nesta compulsão por largar tudo a cargo do futuro, vem a vontade de reclamar e aquela solução típica - atire a primeira pedra quem nunca a sugeriu – que propõe um dia com mais horas. Vinte e seis, vinte e oito, quarenta (quarenta é muita coisa, né?), então paremos no trinta. Um dia com trinta horas

Trinta horas para terminar de ler aquele livro gigantesco do Tolstói. Ou trinta horas para fazer de vez uma receita de carne assada. Trinta horas para se dedicar com mais afinco aos estudos, pensar em iniciação científica, fazer hidratação no cabelo de quinze em quinze dias, ler uns três jornais diferentes e comparar as suas notícias. Oportunas para quem quiser assistir a todos os episódios de uma série nova, ligar pra mãe e mandar um beijo, entrar pra academia, fazer uma corrida pela cidade. Ou simplesmente dormir mais, recompensar toda a energia que uns bons copos de café cederam de maneira tão generosa aos nossos intelectos.

Com sua permissão agora, contudo, findo parte da utopia. Utopia porque talvez estas trintas não sejam tão boas quanto aparentem. Já pensou num mês com novecentas horas? E agosto, com trinta a mais? Como lidariam os amantes separados diante de um empecilho ainda maior que todas as intempéries do coração? E a saudade, com a qual o tempo já é tão cruel? Vá, trinta horas.

Pior ainda para nós, inspirados por natureza e preguiçosos por estilo de vida, se essas seis horas a mais só somassem reclamações sobre a vida. E sobre como o tempo, repentinamente, passou a demorar tanto para passar. Poderia ser mais rápido, não? Vinte e quatro horas, por favor!

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