30 abril 2013

Comandante, de Rory Carroll

Sempre que uma figura polêmica nos deixa, é comum que se sigam a ela, além do luto, diferentes biografias que tentem reproduzir os motivos responsáveis por conduzi-la à condição de pessoa notabilíssima. Muitas vezes dotadas de uma qualidade questionável, todavia, estas biografias não raramente se mostram equivocadas, divulgando materiais falsos, sem apuração de informações ou qualquer senso de responsabilidade além da própria vontade de aumentar o caráter protagonizador de quem se foi.

À morte de Hugo Chávez, o emblemático presidente da Venezuela, irromperam biografias com visões das mais variadas: direitistas e esquerdistas, favoráveis e contrárias, racionais e passionais...  Anos de amor e de ódio serviram de combustível para narrar a importância e o impacto do líder nas vidas de extremos das classes sociais venezuelanas. Em terras brasileiras, naturalmente, dada a proximidade com o pais de origem do presidente, não tardou até que também chegassem as tais obras. Do relato de Rory Carroll, correspondente por anos no Guardian, enfim, o leitor tem a chance de ser contemplado com uma narrativa que pretende, acima de todas as coisas, não cair no sensacionalismo e nem tampouco na parcialidade demasiada. Pretensão esta que, felizmente, ao final da leitura, foi alcançada pelo jornalista.

Aparentemente, ao início, o próprio título Comandante sugere que a visão do autor será, de certa forma, saudosista. Uma vez acompanhando aquilo que a narrativa traz consigo, porém, cheguei rapidamente à conclusão de que as recomendações de jornais na contracapa não eram, aliás, enganadoras. Carroll, de alguma forma, após longa experiência jornalística em nações paupérrimas e em zonas de conflito (Iraque, Afeganistão e África do Sul, por exemplo), possibilita ao leitor o conhecimento de Chávez e de seu governo desde o início de sua militância sem ser tendencioso, mas com base em grande material recolhido durante entrevistas. As entrevistas, inclusive, falam por si no quesito imparcialidade: são membros da alta elite de Caracas e defensores da direita contrariando cidadãos pobres do campo que idolatram a figura do comandante; ministros que temem sua liderança e revolucionários que, por outro lado, a desafiam.

Iniciada com o pé direito, através de um prólogo que narra uma entrevista de Gabriel García Márquez com um Hugo Chávez que acabara de se tornar presidente, a obra se utiliza de uma narração instigante, dividida em capítulos, que se ocupa habilmente de recontar a história do venezuelano sem respeitar uma cronologia exata. Em certo momento, fala de sua presidência em 2011, enquanto que, no outro, volta aos tempos em que Chávez era apenas um moleque no exército. Tudo isto, entretanto, sem tornar a leitura confusa ou difícil de acompanhar. Até mesmo para os leigos, quando o assunto é economia, por exemplo, Carroll mostra ser dono de uma escrita clara, precisa e com aquele toque de estilo especial necessário a todo escritor.

Foto: Tribuna do Povo
Num contexto geral, esta biografia de que falamos seleciona alguns dos principais assuntos que dizem respeito ao líder venezuelano, vistas de um panorama especial, entre os quais: a importância do petróleo na economia do país; a grande adoração que a população mais pobre tem por seu líder; o impacto de Simon Bolívar no pensamento chavista; a onipresença do comandante na programação da radiodifusão (com destaque para o programa Aló, presidente!, que chegou a exibir nove horas de conversas com Chávez em canais abertos); a inspiração encontrada em Fidel Castro; o ideal socialista e as enormes falhas que seu governo populista escondia; a violência nos barrios promovida pelas gangues; o antagonismo gerado contra os Estados Unidos; a exaltação da independência dos países latinos; mas, acima de tudo, a enorme popularidade, para o bem ou para o mal, que marcou toda a trajetória de vida de Hugo Chávez.

Ao fim, embora não tenha o costume de ler biografias, posso dizer que sempre abro uma exceção para personalidades polêmicas como o foi, indubitavelmente, o Comandante. E Rory Carroll, em seu relato puramente jornalístico - observador antes de crítico, justo antes de passional, neutro antes de defensor da esquerda ou da direita - foi extremamente bem-sucedido. Com bons toques de histórias curiosas; anedotas e entrevistas marcadas ora pelo sofrimento, ora pela alegria, temos aqui uma narrativa especial sobre a história de um líder que decidiu, certa vez, vestir vermelho.

Informações técnicas
Rory | Foto: GRN Live
Título: Comandante
Título original: Comandante

Autor: Rory Carroll

Tradução de: George Schlesinger
Editora: Intrínseca (exemplar cedido em parceria)
Número de páginas: 304
ISBN: 978-85-8057-321-3
Gênero: Biografia

RORY CARROLL é correspondente do Guardian, e já cobriu zonas de guerra, sobreviveu a um sequestro no Iraque e acompanhou a transição à democracia na África do Sul. Atuou como o principal correspondente do Guardian na América do Sul entre 2006 e 2012, e seu trabalho já foi indicado para o Orwell Prize, importante láurea britânica que premia escritores de obras sobre política. Atualmente, trabalha Los Angeles, na sucursal do Guardian na costa oeste dos Estados Unidos.


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