Desde o início do século XXI, a situação palestina na Faixa
de Gaza é constantemente noticiada nos meios de comunicação de todo o mundo.O
antagonismo existente entre a região e o país de Israel deixa os espectadores
confusos com certa frequência e, acima de tudo, horrorizados ao assistirem à
tamanha violência.
Triste notar, no
entanto, que ao vermos os conflitos com tanta frequência e por termos uma
cultura ocidental, acabamos alienando os povos árabes a uma mesma esfera,
julgando-os através das imagens de grupos radicais e civis desesperados. Em Uma
Garrafa no Mar de Gaza, todavia, o leitor jovem tem a chance de conhecer um
par, no mínimo, inesperado em sua singularidade. Pois mesmo com tantos anos de
ódio em torno de suas origens, Tal, uma jovem israelense, e Naim, um rapaz
palestino, começam a se corresponder pela força do acaso, compartilhando seus
medos, sonhos e sentimentos, indo contra tudo aquilo que seus povos lhes
fizeram acreditar um dia.
Ela tem 17 anos, vive em Jerusalém e sonha em trabalhar com
cinema. Ele tem 20 anos, assiste em Gaza e espera poder deixar o lugar em nome
de suas aspirações acadêmicas. Ela não aceita o fato de palestinos e
israelenses nutrirem tanto ódio uns pelos outros. Ele culpa os israelenses por
toda dor que seu povo enfrenta. Eles,
que aparentemente nada têm em comum, são unidos por um pedido que Tal faz a seu
irmão: levar uma garrafa, com uma carta sua, endereçada a ninguém, ao Mar de
Gaza. Quando Naim então a encontra e repentinamente se vê tocado pelas palavras
daquela moça “inimiga”, os dois passam a conversar através de e-mails secretos
em que os conflitos entre seus povos são questionados. Não de forma agressiva,
mas muito genuína, como se pode esperar de dois jovens sonhadores e talvez
apaixonados.
“Talvez você rasgue esta carta. Talvez você só sinta ódio ao ouvir o nome ‘Israel’. Talvez você zombe de mim. Ou talvez você simplesmente não exista.
Mas, se esta carta tiver a sorte de encontrar você, se você tiver paciência de lê-la até o fim, se você pensar como eu, que precisamos aprender a nos conhecer, por mil bons motivos, e que queremos construir em meio à paz porque somos jovens, então me responda.”
Primeiramente, mesmo com toda a sua visão utópica em torno
de uma questão repleta de ódio e amargura, acredito que o livro não poderia ter
sido mais verdadeiro se não fosse escrito por Valérie Zenatti, uma autora e
roteirista que, embora seja francesa, viveu a maior parte de sua vida em
Israel. É muito belo notar a esperança que esta carrega e atribui às suas personagens
jovens, cheias de sonhos e de paixões. Tal e Naim, tão extremos e distantes um
do outro, acabam tocando por sua inocência. E, principalmente, pela grande
esperança que nutrem por um dia melhor. Não daquela que americanos ou nós
mesmos poderíamos nutrir, porém de quem vivencia a dura realidade e reconhece
que, mesmo com tanta maldade, o mundo pode ser um lugar bom.
Arriscaria dizer que há algo de Romeu e Julieta neste livro ao aproximar dois jovens inimigos de
uma maneira tão íntima, mesmo que através de palavras. Muito contemporânea, também,
ao situar o jovem, público alvo do selo Seguinte (Companhia das Letras), nas
mil e uma possibilidades da internet. E há, indubitavelmente, a nossa esperança
a todo o momento de saber o que vem adiante, até onde Tal e Naim serão capazes
de ir em nome de um sentimento que sequer eles compreendem. Esta revelação,
como de praxe, reservo a cada leitor curioso em sua particularidade.
Uma Garrafa no Mar de Gaza é um livro curto, de leitura
rápida e sem muita ação ou aquele clímax extraordinário sempre aguardado. Em
contrapartida, carrega em suas palavras a compreensão simples daquilo que
acontece entre israelenses e palestinos, a sensibilidade ímpar de dois jovens
sonhadores e uma sutil mensagem de esperança nas entrelinhas. Que ainda haverá
amor enquanto houver ódio, que ainda haverá paz enquanto houver guerra, que
ainda haverá sonhos enquanto a vida for só desilusão.
“Que caricatura é essa? Até nós começamos a acreditar que não passamos disso, garotos que atiram pedras nos soldados malvados para expulsá-los. Não existe mais o singular, eu, tu, ele, ela, só um plural: os palestinos. Os pobres palestinos. Ou os malvados palestinos, talvez. Mas sempre um plural. Para os que nos amam sem nos conhecer, nunca somos um + um + um, mas quatro milhões. Carregamos todo o nosso povo nas costas, isso pesa, pesa, pesa, esmaga, dá vontade de fechar os olhos.”p. 46
Informações técnicas
Título: Uma Garrafa no Mar de Gaza
Título original: Une bouteille dans la mer de Gaza
Autora: Valérie Zenatti
Tradução de: Julia da
Rosa Simões
Editora: Selo Seguinte – Companhia das Letras (exemplar
cedido em parceria)
Número de páginas: 122
ISBN: 978-85-65765-02-2
Gênero: Literatura
infantojuvenil; Conflito árabe-israelense
Valérie Zenatti nasceu em Nice, em 1970, mas passou toda a
adolescência em Israel, experiência que influenciou o seu trabalho. Ela é
tradutora, roteirista e publicou quinze livros. Uma garrafa no mar de Gaza foi
traduzido para mais de doze línguas, recebeu inúmeros prêmios e foi adaptado
para o cinema.
Um bom sábado a todos,
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